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Sapucahy : "cobram conteúdo no samba mas não dão espaço; estou sozinho”

Produtor musical e um dos diretores do Esquenta, Sapucahy lança favela Brasil II, DVD que é bem mais que o registro de um show; gravação é uma verdadeira ópera da favela

12 dez 2013 - 13h36
(atualizado em 6/6/2014 às 18h55)
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Leandro Sapucahy que lança Favela Brasil II, um DVD que registra uma espécie de ópera da favela
Leandro Sapucahy que lança Favela Brasil II, um DVD que registra uma espécie de ópera da favela
Foto: Paulo Batelli / Divulgação

“Você é uma espécie de Che Guevara do samba.” A resposta ao comentário feito pela reportagem do Terra ao final da entrevista veio acompanhado de uma risada. “Estou meio sozinho. Vamos ver até quando eu aguento.” A solidão de Leandro Sapucahy é artística. E ainda mais dramática por ele ser compositor e intérprete no estilo musical brasileiro mais aberto a parcerias e participações: o samba. Sapucahy se inspira e bebe da fonte de um samba em extinção, o mesmo de Moreira e Bezerra da Silva. Mas não quer ter o mesmo destino desses que só tiveram o reconhecimento perto do fim da vida.

“Cobram uma música com conteúdo e preservando a raiz do samba. Eu faço tudo isso e não consigo espaço. E alguns, que fizeram isso antes de mim, morreram e só tiveram o reconhecimento depois... Como o Bezerra”. Mesmo sem espaço, Sapucahy é um artista muito bem relacionado. É diretor musical do Esquenta de Regina Casé, produz discos de uma amplitude criativa e estilística que vai de Maria Rita a Sorriso Maroto (aquele do refrão grudento de “assim você mata o papai”) entre outras atividades.

Com três discos lançados, Leandro Sapucahy se prepara para apresentar ao público seu segundo ao vivo, batizado Favela Brasil II. O DVD é bem mais que o registro de um show. A produção é uma espécie de ópera da favela, um musical 100% brasileiro e algo inédito na enxurrada de gravações de apresentações que inundam os gêneros musicais mais populares. “Esse DVD é independente, gastei R$ 600 mil do meu bolso. O Thiaguinho e o Naldo gastam R$ 3 milhões, cada...”

O vanguardismo na estética, a luta por espaço nas rádios, a insistência em um samba de raiz, com letras que retratam a vida nos morros e favelas transformam Leandro, pouco a pouco, em um guerrilheiro, ou como se intitula no DVD: soldado do samba. E ainda que solitário, ele parece determinado. Para ele, o samba atual “pode ser um caminho mais curto (para o sucesso), mas não tem sustentação. Eu acredito na construção de uma carreira, de uma discografia.” Até agora, vai bem.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O DVD tem um formato bem diferente, teatral. De onde surgiu a ideia?

O Favela Brasil I já tem um pouco dessa concepção. Embora a dramaturgia esteja mais sutil que nesse novo. Com a chegada da internet vi que a pessoas preferem ver as imagens com o áudio. O Youtube me animou muito nesse sentido. Eu via os clipes improvisados que os próprios fãs faziam. Como a minha música pede a presença da imagem eu resolvi fazer isso. É um projeto muito grande, e que envolve muita gente. As pessoas começavam a rir toda a vez que eu contava o que queria fazer. Diziam: “não vai dar certo, cara, é muita gente”. Eu me preparei durante dois anos com a minha irmã que escreveu o projeto comigo.

E repertório do show...

Se você reparar, a cada duas, três músicas eu mudo o tema. Por exemplo, quando eu falo do bêbado, vêm Cuca Quente e Quem Não Bebe Não Vê o Mundo Girar. O início do show fala mais do cotidiano da favela, aquela coisa da fofoca. Então a escolha das músicas se dava de acordo com os temas. Mas foi uma loucura, eu gravei 30 músicas pra usar 20. E a todo o momento eu tirava uma e colocava outra. Mas como tenho a facilidade de eu mesmo produzir, tenho meu estúdio e os músicos estão sempre comigo.

E vai ser possível levar isso em uma turnê?

É um projeto que você não consegue levar para o rádio, que é muito mais comercial. O meu trabalho sempre foi da rua para o rádio. Não o contrário. Nas grandes casas eu consigo levar o show porque eu tenho um pé direito alto para o cenário. Mas para os lugares menores eu fiz um painel que é uma foto em 3D, semelhante à que é utilizada no cenário do Programa do Jô, e que dependendo da iluminação representa a noite ou o dia. Nos lugares menores nós vamos usar esse recurso, e não as maquetes de barracos que usamos no DVD.

O seu samba tem uma letra diferente do que faz sucesso. Você está sozinho nessa?

Você falou exatamente como eu me sinto: sozinho! Não posso dizer que isso desanima. Mas me deixa pensando onde isso vai chegar, até onde eu vou ter forças pra carregar isso. Todo mundo vai atrás do sucesso comercial. Cobram mais conteúdo na letra, e eu até consigo espaço na imprensa para falar do meu samba. Mas nas rádios há uma barreira imensa. E nos shows também. O público quer ir a um show de samba para dançar. E a minha música é para prestar atenção nas letras que está dizendo alguma coisa. Às vezes cansa. Cobram uma música com conteúdo e preservando a raiz do samba. Eu faço tudo isso e não consigo espaço. E alguns que fizeram isso antes de mim morreram e só tiveram o reconhecimento depois...

Como o Bezerra da Silva...

Como o Bezerra. Agora falam: “pô, o Bezerra era foda.” Mas agora já morreu, não reconhecem a tempo. O Gonzaguinha também é um que eu gosto muito e fui atrás da obra...

Meu nome é Favela, por Leandro Sapucahy:
Você identifica alguém na nova geração para ser seu herdeiro? Ou acha que o samba caminha para essa coisa comercial mais bunda-mole?

Eu entendo o lado dos artistas pela pressão que sofrem. Primeiro a pressão financeira a que eles se impõem. E eles vão pelo caminho mais rápido. Ele vai tocar a mesma música que eu? Não vai tocar no rádio. Então ele vai fazer uma música chicletinho, com um refrão que fala de ostentação, ou de romance, ou de relacionamento. Isso pode ser um caminho mais curto, mas não tem sustentação. Eu acredito na construção de uma carreira, de uma discografia. E posso manter essa linha de raciocínio porque tenho outras profissões. O meu samba não é pra dar dinheiro. O fato de eu virar intérprete é um acaso, é uma consequência do fato de eu não conseguir imprimir esse lado (mais crítico) nos artistas que eu produzia e acabei fazendo sozinho.

O que paga a suas contas hoje é a produção?

O que paga minhas contas hoje é uma série de atividades. A Leandro Sapucahy Produções é uma empresa com alguns braços. Eu sou diretor musical do Esquenta (programa dominical da TV Globo), eu sou produtor musical, eu organizo o Baile do Sapuca que é uma festa que só toca sucesso do Zeca Pagodinho, do Fundo de Quinta, do D2, do Rappa. Faço locação de alguns equipamentos de som. Ou seja, uma série de coisas que faz a empresa rodar e fazem com que eu não precise me prostituir.

Eu tenho a impressão de que, pelo conteúdo das suas letras, hoje você tem uma proximidade maior com o fã do rap do que do fã de samba. Você enxerga isso?

Coincidência você falar isso. Eu trabalhei com o Marcelo D2 durante muitos anos e ele é meu amigo mesmo. Daquele tipo que, na hora ruim dele ou minha, um vai estar lá pelo outro. E o D2 está passando por um momento de mudar o jogo. Depois de A Procura da Batida Perfeita (álbum lançado em 2003) as pessoas pararam prestar atenção nele, e isso está voltando. Ele notou e preparou um show novo. E um dia desses ele me pediu para que eu fosse ao show. Eu desmarquei um compromisso que eu tinha e fui. Quando ele me anunciou no palco, fui muito mais bem recebido do que em várias participações em show de samba e pagode. Isso também me deu um choque. Será que eu estou falando às pessoas certas, tocando nos lugares certos?

Disse me Disse, por Leandro Sapucahy:
E com o funk?

O funk passa pela mesma pressão que te falei do samba. O funk de 15, 20 anos atrás também abordava a vida na favela, dos morros. Mas o funk também é espremido pela máquina de dinheiro. E pra ganhar dinheiro tem que falar de bunda, de descer até embaixo... E rádio vai tocar isso e o cara vai fazer cinco shows por noite. Algumas coisas antigas eu gosto. Eu canto Meu Nome É Favela e emendo com (canta o verso) “eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. Mas da geração atual eu não consigo trazer algo pro meu show.

Quem você traria para o seu show hoje?

O Rappa ainda tem umas mensagens boas, o D2 eu consigo trazer. Do funk hoje, ninguém. E do samba tem muita coisa do Zeca Pagodinho. E também a galera das antigas como o Bezerra da Silva, o Almir Guineto, Fundo de Quintal.

Fonte: Terra
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