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Líder do Jethro Tull: "as gravadoras pararam de se arriscar"

26 abr 2011 - 14h36
(atualizado em 27/4/2011 às 07h23)
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David Shalom
Direto de São Paulo

Mesmo após mais de quatro décadas de estrada, duas dúzias de discos lançados e milhares de apresentações realizadas nos quatro cantos do mundo, Ian Anderson, 63, sequer cogita largar a música. Famoso por introduzir flautas no rock´n´roll, o fundador do Jethro Tull leva uma rotina corrida de gravações e turnês, alternando apresentações com a banda que o consagrou e sua carreira solo, que lhe dá a oportunidade de se diversificar musicalmente, tocando ao lado de orquestras e grupos acústicos.

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Além do estilo de música ser bem distante do rock tradicional, o próprio Anderson leva uma vida bastante diferente daquela usualmente experimentada por seus colegas de profissão: é casado desde a década de 1970 com a mesma mulher, avesso às drogas - jura nunca tê-las experimentado - e a grandes veículos esportivos, apaixonado por felinos e proprietário de ricas fazendas de salmão. É também sobrevivente de uma trombose venosa profunda que quase o matou 15 anos atrás.

Figurinha carimbada no Brasil, o músico retorna ao País para mais uma turnê no mês de maio, desta vez com seu grupo solo - praticamente composto pelos mesmos integrantes do Jethro Tull -, em apresentações acústicas.

Por telefone, direto de seu escritório na Inglaterra, Anderson conversou com exclusividade com o Terra, demonstrando por que é visto como uma das mais simpáticas figuras do rock´n´roll. Durante mais de 20 minutos - o dobro do tempo previamente determinado para a entrevista -, ele contou como faz para conciliar suas duas bandas, criticou a prática de downloads de músicas de forma gratuita, explicou como se recuperou da grave doença na década de 1990 e, naturalmente, falou do Brasil, onde se apresenta nos dias 14 e 15, respectivamente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Com a palavra, Ian Anderson:

O que os fãs podem esperar de sua turnê solo no Brasil? Você tocará clássicos do Jethro Tull?

Sim, mas eu tento lembrar que estou fazendo um show do Ian Anderson e não um show do Jethro Tull. Então, claro, tento colocar algumas das canções mais famosas do Jethro Tull e algumas que os fãs ainda não ouviram. Eu tento fazer algo um pouco diferente, com, talvez, metade do repertório de músicas bem conhecidas e a outra metade de diferentes partes da história do Jethro Tull, talvez incluindo umas duas ou três músicas novas, e talvez umas duas mais clássicas ou jazzísticas. Eu costumo ficar mais ansioso com os shows solos e é justamente por isso que os faço. Quando faço os shows do Jethro Tull, as pessoas já vão com a expectativa de, vamos dizer, ouvir nossas 15 músicas mais conhecidas. E eu não ligo de fazer isso, mas não gosto de fazê-lo em todos os concertos do ano, gosto de tentar encontrar coisas um pouco diferentes para tocar. Então, eu acho que, provavelmente, faço nos shows do Ian Anderson, quando toco com orquestras, ou quarteto de cordas, ou acusticamente, apresentações diferentes daquelas que faço nas datas com o Jethro Tull. Ainda assim, não é tão diferente, é só um pouco mais amplo, livre e profundo em termos de repertório, porque procuro colocar músicas que eu nunca toquei para a audiência daquele país antes.

Como é a preparação para as turnês tocando com duas bandas ao mesmo tempo? Por exemplo, você se apresenta em abril na Rússia com seu conjunto solo e alguns dias depois já excursiona com o Jethro Tull na Austrália.

Bem, não são duas bandas, é basicamente o mesmo grupo de pessoas, com exceção de Martin Barre, o guitarrista do Jethro Tull, que não faz os shows do Ian Anderson. Meu guitarrista nos shows solo é um jovem alemão chamado Florian Opahle. De resto, são basicamente as mesmas pessoas e a mesma equipe. Apenas Martin Barre é trocado de fato. O baterista americano Doane Perry (há mais de 20 anos no Jethro Tull) costuma fazer alguns dos shows solo, mas ele teve alguns problemas recentes e os têm perdido.

O Jethro Tull irá iniciar uma turnê de aniversário de 40 anos do lançamento de Aqualung, sem dúvida o mais conhecido álbum da banda. Você o considera o mais importante disco da carreira do grupo?

Eu o vejo como muito importante, pois representa um tempo em que eu comecei a escrever e executar mais músicas acústicas, ao lado das canções mais pesadas. Então, é um disco que marca o início de um período mais confiante de meu processo de composição, quando eu escrevia canções e já podia entrar no estúdio e gravá-las eu mesmo. É claro que eu precisava de outras partes posteriormente, mas Aqualung é uma mistura de música acústica e elétrica. Acho que é um álbum importante porque foi ele que levou o Jethro Tull para o sucesso internacional.

Você o considera o melhor álbum já lançado pelo Jethro Tull?

Eu não tenho álbuns favoritos, tenho músicas favoritas. E algumas delas estão em Aqualung, mas há outras que eu realmente não gosto tanto e que, independente disso, tocaremos nos EUA em junho (mês da turnê de aniversário). Depois de tocá-las durante três semanas nos EUA, eu provavelmente ficarei feliz em deixar algumas delas de lado por alguns anos (risos), mas as curtirei durante os shows. Algumas das canções estão entre as minhas favoritas. Aqualung, Locomotive Breath, My God são grandes e importantes músicas da carreira do Jethro Tull. Provavelmente, em Aqualung, temos três ou quatro das mais importantes composições de nossa carreira.

Você sempre apontou Budapest - do álbum Crest of a Knave (1987) - como uma de suas favoritas. Ainda pensa assim?

Sim. Eu voltei a tocá-la de novo após um ano e alguma coisa sem fazê-lo. Particularmente, nos shows do Jethro Tull, eu não estava realmente tocando ela com muita freqüência, mas nos de Ian Anderson, com os quartetos de cordas, as orquestras e nos shows elétricos também, a tenho apresentado em alguns concertos de 2011. Mas talvez ela volte a descansar por alguns meses (risos). Nós tentamos mudar as músicas que apresentamos o tempo todo.

Acompanhando dois ou mais de seus shows é fácil notar que a apresentação das músicas raramente é igual à mostrada anteriormente. Vocês improvisam muito no palco?

Há alguma improvisação em quase todas as músicas, não só da minha parte, mas de todos os músicos. Mas há algumas canções que são basicamente iguais em todas as noites e outras nas quais há muita improvisação em todas as noites. Fazemos isso para termos uma uma abordagem diferente para elas. Músicas rápidas, músicas lentas, músicas com diferentes teclados, músicas com diferentes tempos, músicas de diferentes períodos da minha história musical, eu tento fazer com que sejam interessantes para mim, para os músicos e para a plateia. Então, sim, sempre vai ter um pouco de improvisação em todo show, mas há músicas que gravamos de um jeito e não mudamos para as apresentações, assim como há outras com dois, três, quatro arranjos diferentes e nós decidimos qual deles usaremos em uma turnê em particular. Living in the Past, por exemplo, possui quatro arranjos diferentes. Aqualung e Locomotive Breath, possuem, cada uma, dois arranjos principais, um para orquestras e quartetos de cordas, outro para os shows com instrumentos elétricos do Jethro Tull. Então, há muitas músicas com diferentes arranjos, que são escolhidas para a apresentação dependendo do lugar onde tocamos e com quem estaremos tocando.

Em 1996, você teve uma trombose venosa profunda que quase lhe matou. Como a infecção surgiu em você? Viajar por longas horas sentado em um avião não é prejudicial por conta da doença?

Não é prejudicial para mim agora, já que eu obviamente tomo algumas precauções para minimizar as chances de ela voltar a acontecer. O motivo de eu tê-la contraído em 1996 foi porque eu sofri um ferimento no palco. Eu caí no palco no Peru. O local do show ficava perto do oceano, então estava escorregadio e molhado e eu acabei caindo, rompendo o ligamento cruzado anterior (Ian teve a formação de um coágulo de sangue que subia de seu tornozelo à sua virilha). Os médicos, provavelmente, me deram o conselho errado, colocando uma estrutura no local para eu não me mexer e eu tive que continuar viajando, continuando a turnê em uma cadeira de rodas. Naquele período, o ferimento ficou muito pior e eu voltei para a Inglaterra, fiz uma cirurgia, mas eles não conseguiram parar com os problemas sanguíneos. Até que eu cheguei à Austrália, mais ou menos uma semana depois da operação, e acabei sendo finalmente diagnosticado. Fiquei no hospital por três semanas. Foi um problema muito sério, mas, por sorte, consegui sair dessa, e nos dias de hoje só tomo cuidado para não ficar muito tempo em um lugar, manter minhas pernas em movimento, tomar uma aspirina, usar uma meia de compressão na minha perna. São esses os conselhos que dou às pessoas em nosso website, e não me incomodo em tomar nenhuma precaução em especial. Eu posso viajar de Londres para Munique, mas quando faço um voo mais longo, talvez para Nova York ou Los Angeles, ou para a Austrália, naturalmente tenho que tomar mais cuidado para prevenir o problema. Porque, quando você o tem, há chances de que no futuro ele volte a aparecer. Isso não ocorreu ainda e espero que continue assim.

Após mais de 40 anos de estrada, vivendo no mundo do rock´n´roll, como é possível que você nunca tenha experimentado drogas?

Eu não experimentei drogas ainda. Quer dizer, há muitas coisas associadas ao estilo de vida do rock que eu nunca experimentei, mas, sabe, eu só tenho 63 anos, ainda tenho muito tempo para experimentar todas essas coisas. Quer dizer, eu nunca experimentei sexo gay também (risos). É uma possibilidade, talvez eu só precise receber a oferta certa.

Se eu não me engano, é sua sexta vez no Brasil, certo?

Wow! Pelo menos seis vezes, sim.

O que você pensa a respeito do País, seu público e sua música?

Bem, o repertório musical brasileiro é grande e vibrante, uma fonte de inspiração para muita gente. Eu já ouvi um pouco de música brasileira, incluindo algum jazz, e eu a recebi de uma forma positiva. Apesar disso, meu conhecimento é limitado, pois não sou o tipo de pessoa que gosta de passar o tempo na praia, olhando garotas de bíquini passeando. Eu não sou um cara da praia: eu me escondo em meu quarto de hotel e assisto à CNN. Estou muito mais interessado nisso. Mas, sabe, eu acho que você pode conhecer um país através de muitas coisas diferentes: pela comida, pela linguagem das pessoas, conhecendo pessoas, jornalistas, pessoas da mídia, fãs, e eu tento aproveitar um pouco de tudo isso. Sabe, eu não misturo minhas turnês de shows com férias, então, quando viajo, faço o check-in no meu hotel, almoço, vou para o local da apresentação, faço o show e saio cedo na manhã seguinte para voar ao próximo destino. Não há muito tempo para conhecer o local da forma como você o faria se estivesse lá para duas semanas de férias. Você pode olhar nos arredores de onde está ou ser turista. E eu realmente não tive essa oportunidade (no Brasil).

O que você acha da prática de baixar músicas gratuitamente?

(Longo suspiro) Em primeiro lugar, minha crença pessoal em relação ao entretenimento de música, ao entretenimento artístico, é que nós deveríamos esperar pagar por aquilo que consumimos. Da mesma forma que pagamos por eletricidade, pagamos por água, pagamos por comida, pagamos pelas necessidades da vida, eu acho que nós deveríamos estar preparados para pagar uma taxa justa para os luxos da vida também. E eu acredito que, se você compra um download no iTunes, por exemplo, é um preço bastante razoável para investir. Pessoalmente, eu sempre paguei pelas músicas que baixei. Eu nunca baixei algo de graça porque acho que estaria tirando do artista seus direitos, os ganhos de copyright, dos publicadores e dos compositores. Você pode argumentar que talvez seja ok roubar de Elton John, afinal ele tem muito dinheiro, mas não é ok roubar de Mose Alison, que é um venerado músico de jazz, ainda vivo, que toca em alguns clubes noturnos: ele realmente precisa desse dinheiro. Não é ok roubar de bandas mais jovens, que estão tentando ser bem-sucedidas na música e têm poucas chances de fazer dinheiro com shows ou venda de discos. Eu não acho que deveríamos roubar deles, acredito que deveríamos estar preparados para apoiar nossos jovens músicos pagando uma taxa justa por aquilo que consumimos. Claramente, muitas pessoas não acreditam nisso, elas acham que, se está na internet, apenas pegue. Essa é a visão de muita gente. Meus filhos, provavelmente, meio que aceitam que é isso o que se faz, pois está lá, por que pagar por isso, sabe? Por que pagar por uma cópia do Microsoft Office se você pode roubá-la na internet? As pessoas fazem isso. Eu acredito que essa não seja a coisa certa a se fazer, acho que é uma questão moral e eu mantenho essa minha visão sobre o assunto.

Como você vê a situação atual das grandes gravadoras? Acredita em um futuro positivo para a indústria fonográfica?

As gravadoras estão vivendo um período difícil e há gente perdendo muito com isso. Não os rock stars ricos, mas a próxima geração de músicos simplesmente não conseguirá ter o sucesso financeiro do qual todos nós desfrutamos 20 ou 30 ou 40 anos atrás. Quero dizer, os músicos mais jovens de hoje têm chances muito pequenas de se dar bem na atividade. É uma verdadeira luta para eles.

As bandas novas têm muito mais dificuldades do que, por exemplo, você teve com o Jethro Tull?

Bem, custa quase o mesmo tanto para promover um disco hoje quanto custava há 40 anos. Não há nada de graça: você tem que pagar pelos anúncios de seu novo trabalho. Álbum, single, não importa. Você paga pelos anúncios de suas turnês...sabe, essas coisas não ficam mais baratas. De fato, de muitas formas, hoje há muito mais lugares nos quais precisamos estar para que as pessoas saibam do show. Promover uma turnê é absolutamente tão caro hoje quanto sempre foi e, se você for um promotor de shows, espera conseguir lucrar um pouco porque é investido muito dinheiro para alugar o local do evento, fazer os anúncios e as promoções. Enquanto isso, a gravadora precisa emplacar o novo álbum e ainda tem de pagar pelos anúncios, fazer todas as coisas que sempre fez em termos de marketing e promoção, mas agora está vendendo aquém da linha. Sabe, percentualmente, estamos falando provavelmente de um volume de vendas equivalente a 20%, 30% do que era 20 anos atrás. Nos últimos dez anos, as vendas caíram cerca de 50%, provavelmente. Isso é assustador! Uma realidade assustadora, porque você não vai vender tantos discos, mas tem de gastar o mesmo tanto para divulgá-los. É duro para as gravadoras e isso quer dizer que é duro para os artistas novos, que simplesmente não têm oportunidades, pois as gravadoras não vão gastar dinheiro num artista se ele não for muito, muito mainstream, pop e rock, porque as chances de sucesso são maiores. As gravadoras não querem mais se arriscar em bandas como aquelas surgidas nos anos 1970, que tocavam de forma mais perigosa, radical, diferente, uma música mais progressiva. Isso não é realmente possível hoje. Ninguém quer apostar em um produto mais arriscado, elas só querem uma música pop/rock genérica, fácil de vender.

Como lidar com isso?

Eu acho que temos de aceitar o fato de os tempos serem outros. Isso nunca mais vai mudar, nunca voltará a ser como era antes. Estamos vivendo em um novo mundo e, infelizmente, é um mundo onde os novos músicos não têm chances de sucesso como teriam há trinta anos. Logo, os perdedores são as mesmas pessoas que frequentemente lhes estão roubando o dinheiro, roubando músicas na internet. É uma geração que simplesmente entrou em um mundo com outras regras de mercado e os músicos jovens estão pagando esse preço, pois ninguém quer lhes pagar por sua música, o que é triste.

Por que você nunca tirou carta de motorista?

A maioria dos caras simplesmente "precisa" ter um carro tão logo completa 18 anos. Sabe, eles sonham que terão um carro e que isso os tornará homens de verdade, podendo pegar garotas e ser homens de verdade na estrada, dirigindo rápido e fazendo muito barulho. Isso é o que a maioria dos caras faz, mas eu não sou como a maioria dos caras. Eu nunca quis ter um carrão, não gosto do barulho, não gosto de dirigir em velocidade, sabe? Prefiro ser levado por alguém que seja um motorista competente. Se eu entro num avião para atravessar o Atlântico, não espero voar aquele negócio, pois eles têm um piloto qualificado para fazer isso no 747 (risos). É o mesmo num carro: por que eu iria querer dirigir um carro, ficar nervoso e tenso com todo aquele tráfego com pessoas loucas? Eu prefiro que outra pessoa o faça. Aí posso sentar no banco traseiro com meu computador e trabalhar um pouco, ou mesmo olhar a paisagem do lado de fora pela janela, mas não dirigir. Não é algo que eu pense em mudar agora. Sabe, eu gosto de dirigir fora da estrada, curto dirigir veículos de passeio de quatro rodas e motocicletas fora da estrada. Mas não estou interessado em dirigir em estradas e avenidas, com todas aquelas pessoas loucas à minha volta.

Então você sabe dirigir...

Bem, eu sei. Mas eu gosto de dirigir pelos lados, sou meio que um motorista de ruas pequenas, de pouco movimento. Eu estou acostumado a fazer coisas fora da estrada, não tenho feito isso mais com tanta frequência, mas eu até costumava dirigir fora da estrada bastante, pelos lados. Eu provavelmente lidaria bem com isso se fosse um piloto de Fórmula 1, porque todos estão indo sempre na mesma direção, o que torna tudo um pouco mais fácil. É quando as pessoas vêm em minha direção que eu fico nervoso. Olhe desta forma: eu sou quase tão velho...na verdade eu sou um pouco mais velho que Rubens Barrichello (risos), mas um cidadão idoso ainda pode dirigir um carro se precisar (gargalhadas).

Ian Anderson volta ao Brasil para duas apresentações no mês de maio
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Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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