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Lemmy, do Motörhead: "música de graça é roubo aos músicos"

15 abr 2011 - 07h36
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David Shalom

Talvez, excluindo Ozzy Osbourne, Lemmy Kilmister seja a mais lendária figura do rock pesado ainda viva. Aos 65 anos, o líder e fundador do Motörhead ficou mundialmente famoso não só por sua música, que ele classifica simplesmente como rock´n´roll, mas também pela forma desregrada como leva seu dia a dia. Grande admirador de bourbons, cigarros e mulheres variadas, o fato de ainda estar vivo deu ao baixista e vocalista da banda inglesa uma aura quase sobrenatural, que resultou em frases como "falando em termos médicos, Lemmy deveria estar morto" - esta escrita em sua própria autobiografia, White Line Fever, lançada em 2002.

Muito diferente do que ocorre com seus pares, mesmo após 35 anos de carreira - e uma incrível marca de 20 álbuns de estúdio lançados -, Lemmy continua produzindo trabalhos novos com a mesma regularidade de antigamente, talvez até maior - foram cinco trabalhos ineditos nos últimos dez anos.

Comprovando sua popularidade no Brasil, o músico e seu grupo estão confirmados para duas passagens pelo País em 2011. Uma delas, no Rock in Rio, em setembro, na qual dividirá o palco com o Metallica. A outra, uma mini-turnê que começa já neste sábado (16), em São Paulo, e passa ainda por Curitiba (17), Florianópolis (20) e Brasília (22).

Por telefone, Lemmy deu uma entrevista exclusiva ao Terra na última quarta-feira (13), direto de Montevidéu, onde havia se apresentado na noite anterior, segundo ele, para um público de oito mil pessoas - o local, no entanto, não abriga mais de cinco. Apesar de um tanto lacônico em algumas respostas, o britânico de voz rouca e sotaque difícil foi bem-humorado e atencioso, falando sobre os shows pelo País, mulheres, nazismo, indústria fonográfica, e só se mostrou incomodado mesmo quando indagado sobre sua saúde e o envolvimento com drogas.

Confira a entrevista completa:

Como foi show em Montevidéu?

Muito bom. Os ingressos esgotaram. Tocamos para oito mil pessoas.

Qual a expectativa de tocar no Rock in Rio em setembro? São esperadas cerca de 200 mil pessoas...

Bem, nós já fizemos isso antes, sabe? Quero dizer, nós estivemos em festivais de rock na Alemanha, tocando em Berlim uma vez para 200 mil. É ótimo, mas você tem o mesmo show de qualquer forma. É o mesmo show que seria se estivéssemos tocando para 50 pessoas, sabe? Nós estamos bastante acostumados. E não usamos efeitos especiais, porque não podemos gastar com eles.

Ainda que o repertório não mude e os seus shows não tenham pirotecnia, você tem alguma preferência entre tocar em lugares fechados, como o dos shows no Brasil neste fim de semana, ou abertos, como é o caso do Rock in Rio em setembro?

Eu realmente não ligo. Tudo o que você vê do palco são as luzes. Você não consegue ver o que está lá atrás.

A maioria das bandas mais velhas tem demorado cada vez mais para lançar novos discos. O Motörhead, por sua vez, mantém uma produtividade tão grande ou até maior do que a dos anos 1980, 1990. Como você consegue isso?

Porque nós sabemos o que estamos fazendo. Nós somos bastante profissionais, sabe? E nós não temos dificuldade para escrever canções.

Você disse recentemente em uma entrevista que os CDs vão acabar dentro de dez anos? Você acha que será o fim da indústria fonográfica ou acredita que ela arrumará uma outra forma de fazer dinheiro?

Bem, eles têm que ser rápidos. A não ser que eles arrumem uma forma de controlar o acesso à internet, as pessoas vão continuar fazendo o que querem nela.

Você sente essa realidade te afetar financeiramente?

Oh, sim. Quero dizer, coloque isso no papel: se a criança gosta da banda muito e ela baixa todas as suas músicas de graça, e se todos que gostam daquela banda fizerem o mesmo, então a banda vai ter que parar de tocar, porque essa é a forma que nós fazemos dinheiro, com direitos de composições musicais. Então, se não formos pagos para o nosso trabalho... Todas as outras pessoas são pagas para seus trabalhos, não é? Você não pode entrar em um lugar e pegar o que quer sem pagar. Se não nos pagarem para o nosso trabalho, que é compor músicas, nós não podemos trabalhar.

Isso quer dizer que você é totalmente contra os downloads gratuitos...

Música de graça é roubar os músicos. Quero dizer, a gravadora pode sempre cobrar de forma abusiva, certo? Eles são loucos com os preços que costumam cobrar, especialmente com aqueles "long box cds" (embalagens lançadas quando do advento do CD, que se assemelhavam muito às usadas em vinis), lembra disso? E todas essas edições com preços especiais e as gravadoras acabaram se colocando para fora do mercado por causa dos preços. Vão cair por isso. Eles ainda precisam nos pagar para escrever músicas, mas nós não podemos mais escrevê-las, porque não há mais recursos para isso.

O Motörhead influenciou um número incrível de bandas de heavy metal. Por qual razão você não gosta de ser rotulado como um grupo do estilo?

Simplesmente por não achar que isso seja verdade, só isso. Eu não acho que o heavy metal seja uma música pior, na verdade vejo como uma música muito melhor do que a da maioria dos tipos de rock´n´roll. Eu acho que tem mais partes instrumentais no heavy metal do que a maioria dos tipos de música, sabe? As pessoas nos rotulam assim porque somos rápidos e pesados, mas isso está certo para mim, porque o rock´n´roll deveria ser assim também. E quando nós tocamos, é muito mais alto! Nós começamos antes do heavy metal e começamos antes do punk também.

Na sua biografia, White Line Fever , há uma frase que diz: "falando em termos médicos, Lemmy deveria estar morto". O que você pensa disso?

Bem, falando em termos médicos, eles devem estar certos.

Você ainda leva o mesmo estilo de vida que levava antigamente?

Ah, eu não falo sobre drogas, cara.

Você pode falar sobre Ronnie James Dio?

Claro, eu posso falar sobre ele, ele não usava drogas. Ronnie era um cara ótimo, foi uma pena. Era um grande amigo meu.

Como você vê o futuro do rock pesado dentro de dez, vinte anos, sem as grandes lendas do estilo?

Eu não sei. Em dez anos eu terei 75, por que eu ligaria?

Mas você acha que a música pesada continuará forte?

Claro, sempre continua.

Há nomes no mercado atual para a manter o estilo forte?

Sim, há sempre bandas para manter tudo. Isso em todos os tipos de música. Tente prever, por exemplo, o futuro do banda Fools Game. Não dá pra fazer isso.

Você tem uma vasta coleção de artefatos nazistas. Por que isso?

Por que não?

Mas como esse interesse começou?

Alguém me deu uma cruz de ferro (decoração militar usada, entre outros, pelo exército nazista) e depois alguém me deu uma dagger (primeira arma de corte oficial do Terceiro Reich, muitas vezes com a frase 'sangue e honra' grafada em sua lâmina), porque na época eu já costumava colecionar facas, facas de caça, sabe? E me deram uma sórdida dagger. E eu fiquei realmente impressionado porque ela era muito bem feita, era a melhor faca que eu tinha visto em toda a minha vida, sabe? Então, eu peguei mais umas duas dessas e comecei a pesquisar qual era a diversidade de artefatos do tipo. É como qualquer coleção: você começa e, quando percebe, sua casa está cheia dela. Eu conheço um cara que coleciona elefantes, então ele tem tudo sobre elefantes: relógios de elefante, elefantes na mesa, cinzeiros de elefante, sabe? Todos são um pouco loucos quando o assunto é colecionar.

E o que você acha daqueles que te acusam de ser nazista?

Isso é tremendamente ridiculo, até porque eu tenho uma namorada negra.

Quantas namoradas você tem no momento?

Regulares? Quatro, todas em Los Angeles.

No ano passado, o Manowar, banda com quem vocês já realizaram algumas turnês, veio ao Brasil e deixou de lado do repertório todos os seus clássicos, se concentrando apenas em músicas de seus dois últimos álbuns. O que você acha dessa atitude? Consegue imaginar fazer um show do Motörhead sem músicas como Ace of Spades, Overkill ou Iron Fist?

Eu não acho que as pessoas iriam gostar disso, sabe? Se eu for assistir a um show do Little Richard, eu iria querer ver Good Golly Miss Molly, entende? Eu ficaria louco se eu não a ouvisse. Eu sei como é estar no público e ver material novo. Claro que há coisas novas que você tem que tocar, mas há também coisas velhas que se precisa tocar também, porque é por elas que as pessoas estão lá.

Você acha que eles foram desrepeitosos ao tomar essa atitude? Alguns fãs literalmente queimaram camisas e bandeiras da banda...

Sim, eu acho que eles cometeram um erro.

O Motörhead já veio várias vezes ao Brasil. O que você acha do País e dos fãs daqui?

Eu tive bons momentos no Brasil, é sempre ótimo. Especialmente quando viemos com o Iron Maiden e o Skid Row (em 1996, na terceira edição do Monsters of Rock). Nós tocamos para 68 mil pessoas em um show. É ótimo, eu sempre tenho grandes momentos no Brasil. Com as garotas brasileiras também.

Alguns músicos apontam as brasileiras como as melhores mulheres do mundo. Você concorda com isso ou acha que é só uma forma de nos agradar nas entrevistas?

Não cara. Elas são bem vindas em qualquer lugar. É sempre muito saudável.

Aproveitando o gancho, como está a sua saúde?

Minha saúde está ok. Eu tenho diabetes, mas tirando isso...

Você foi hospitalizado na época em que recebeu o diagnóstico de diabetes. Após isso, passou a ir com frequência ao médico?

Não. Os hospitais não são saudáveis, você tem todas aquelas pessoas doentes neles. Você nunca deveria ir ao hospital, porque pode ser contaminado por algo.

Qual foi a última vez que você foi ao médico?

Eu não sei. Isso é interessante para você?

É relevante, faz parte de quem você é.

Eu estou aqui para falar de música, não quero falar sobre quantas vezes fui para a porra do médico.

Tudo bem, vamos mudar de assunto. O que você acha de ser chamado de Deus por alguns fãs?

Não, não. Deus é mais alto.

Você disse há muitos anos em uma entrevista que viu Deus após tomar ácido. Pode contar essa história?

Sim, foi na ocasião em que eu consertava o carro dele.

Alguma surpresa para o show no Brasil?

Não, vamos manter o mesmo set-list da turnê atual.

Líder e fundador da banda inglesa abre turnê brasileira neste sábado, no Via Funchal
Líder e fundador da banda inglesa abre turnê brasileira neste sábado, no Via Funchal
Foto: Amanda Edwards / Getty Images
Fonte: Terra
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