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MV Bill lança disco, se diz mais experiente e afirma: "TV mudou comigo"

2 ago 2013 - 21h30
(atualizado às 23h11)
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MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
Foto: Divulgação

Free Jazz Festival, Rio de Janeiro, 1999. A música era Soldado do Morro e, no palco, um homem, com uma arma na cintura, cantava sobre a vida nas favelas cariocas: "feio e esperto com uma cara de mau/ A sociedade me criou mais um marginal/ Eu tenho uma nove e uma hk/ Com ódio na veia pronto para atirar".  Não deu outra e a cena acabou bastante comentada na imprensa brasileira no dia seguinte. A arma, no entanto, era de brinquedo; o rapper, MV Bill, que a partir dali se consolidava como um dos maiores nomes do rap nacional.

Catorze anos depois, ele afirma, em entrevista ao Terra por telefone, que mudou. "Esse tempo me deu mais flexibilidade. Foi muito importante para o meu amadurecimento. Naquela época, eu já tinha 21 anos, mas era um molecão. Não tinha experiência, já tinha me fodido bastante na vida, mas não tinha experiência. Agora, estou beirando os 40 anos, tenho experiência de vida, de profissão, acho que melhorei", explica. Descoberto graças à coletânea Tiro Inicial (1993) - que também revelou Gabriel, O Pensador -, ao longo dos anos foram seis álbuns, mais de 15 prêmios, dois livros e um documentário que chamou a atenção de todo o País ao ser exibido no Fantástico: Falcão - Meninos do Tráfico. Nesta semana, o rapper veterano, um dos grandes nomes da CUFA (Centra Única das Favelas), lança seu mais recente projeto, o álbum Monstrão.

"É o tradicional 'do caralho'. Sou um cara que nunca parei. Nunca tive um hiato na carreira, cantei para uma geração e hoje eu estou cantando para os filhos dessa geração, que me chamam de 'monstro', 'monstruoso', 'mestre'. E é uma forma respeitosa. Tenho mais idade. Eles me veem como referência", explica sobre a música que deu nome ao álbum e gerou um clipe. O vídeo, todo em preto e branco, é dirigido por Pedro Gomes e evoca uma figura que ficou bem marcada na cabeça dos brasileiros nos últimos meses, devido às manifestações que ganharam as ruas: a máscara de Guy Fawkes, de V de Vingança.

"O bom de você ser da vanguarda é que esse tipo de luta está no seu DNA. Monstrão foi lançado em abril, muito antes de a manifestação estourar. Não é um espanto, porque já estou identificado com essa luta. Tenho músicas que chamam o povo para contestar, mostrar indignação. Fiz essas músicas há dez anos. Baseado no meu imaginário", conta.

Além da música, MV Bill comentou na entrevista seu trabalho como ator, que vai muito bem. Depois de estrelar Sonhos Roubados, no qual foi um presidiário, viveu um professor de física, um policial chorão e se prepara para estrear como um artista plástico falido em Se Eu Fosse Você, nova série da Fox. "Um cara como eu teria papel normalmente como faxineiro, ladrão, presidiário, estuprador. Mas não. Tem sido bem diversificado, me dá oportunidade de viver diferentes personagens, isso me deixa bem feliz", ponderou.

Confira a entrevista completa:

Terra - Eu vi que "monstrão" é o jeito que os mais jovens do hip hop chamam você, você até fala isso na música Vivo. Por que você é "monstrão"?

MV Bill - Muitos jovens se referem desse jeito, mas “monstrão” quer dizer que é uma coisa legal, maneira, bacana, associada a uma coisa guerreira, de resistência. É o tradicional: “do caralho”. Sou um cara que nunca parei. Nunca tive um hiato na carreira, cantei para uma geração e hoje eu estou cantando para os filhos dessa geração, que me chamam de “monstro”, “monstruoso”, “mestre”. E é uma forma respeitosa. Tenho mais idade. Eles me veem como referência.

Terra – Não acaba sendo responsabilidade demais ser a referência dos mais jovens?

MV Bill - Muita responsa! Ao mesmo tempo, é muito prazeroso ver isso.  A minha geração não tinha tantas referências nacionais. Eram todas internacionais. Eu gostava Ice-T, Public Enemy.  Hoje em dia, você pode ver um cara como Projota dizer que começou a pensar na carreira ouvindo a minha música, tendo como referência o rap nacional. É muito maneiro. É um reconhecimento.

Terra - No clipe de Monstrão, você tem alguns símbolos de velhas lutas suas, como abuso policial, corrupção na política. Mas é bem presente a máscara do Guy Fawkes, do V de Vingança, que continua presente nas manifestações pelo Brasil...

MV Bill - Fico muito tranquilo em relação as manifestações. O pessoal falava: “tem que ir pra rua”. Eu já nasci na rua! Realmente, tem que ir para a rua, mas isso está na margem. Faço parte de quem nunca dormiu. O bom de você ser da vanguarda é que esse tipo de luta está no seu DNA.  Monstrão foi feito em abril, antes de a manifestação estourar. Não é um espanto, porque eu já estou identificado com essa luta. Tenho músicas que chamam o povo para contestar, mostrar indignação. Fiz essas músicas há dez anos. Baseado no meu imaginário, porque no Brasil não tinha esse tipo de coisa. Teve do Collor, mas era específico, uma parcela da população, era orquestrado. O grande diferencial está aí, que não foi partidária. O povo brasileiro é visto como pacífico, manso, não tinha histórico de manifestações desse porte.  E aí a gente teve essa grata surpresa. Eu já falava disso, em coisas que eram baseadas no imaginário e só.

MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
Foto: Divulgação

Terra - Ainda é difícil se firmar no rap nacional? Ou isso vem mudando e se fortalecendo cada vez mais?

MV Bill - A cena de hip hop no Brasil já vem crescendo há muito tempo. Mas por não ter muita adesão de rádio, não ter tanto vídeo, não ter esse perfil mais “jabazeiro”, tem uma aversão desse tipo de música entrar em determinados lugares.  O rap e o hip hop dialogam com a juventude em todo o mundo. Tem uma nova galera descobrindo o hip hop, quanto mais diversidade, mais ele se sentem soltos para surfar em outros assuntos. Mesmo que não toque na rádio, você tem bons shows com bons números de público, agenda trabalhada, mesmo que não esteja tocando na trilha sonora da novela.  Acho que esse cenário do rap está crescendo, mas está crescendo cada vez mais independente.

Terra – Seus videoclipes são sempre bem dirigidos e esteticamente bonitos. É uma marca sua? Você curte fazer videoclipes?

MV Bill - Gosto muito. É como ilustrar uma história. O Soldado Que Fica já tem um milhão de acessos no Youtube. Não sei se a música teria a mesma força sem a imagem. Eu senti que algumas músicas minhas ganharam muita força com o vídeo. Não tenho um grande trabalho midiático, então, o vídeo ajuda a visualizar melhor. Fora que a internet é democrática. A comunidade consegue usar essa mídia e eu posso orquestrar da maneira que eu quero, orquestrar com o meu próprio trabalho. Pela primeira vez, lancei um disco que já tem quatro videoclipes, mais um vídeo que foi gravado em Brusque, em Santa Catarina, e será lançado em setembro. Quero gravar ainda outros dois, inclusive de A Luz, que tem esses sons da Bahia. Gostaria de filmar lá.

Terra – Como foi a parceria com o produtor e diretor Toddy Ivon?

MV Bill – Gravei dois clipes com ele. Vendo os trabalhos dele, me interessei pela linguagem dele e pensei no que ele conseguiria fazer se tivesse acesso aos meus roteiros. Nos dois, eu tinha um pré-roteiro. Ele conseguiu pegar as minhas ideias e deixá-las mais legais e melhores.

Terra – Fará mais vídeos com ele?

MV Bill – Não sei. Eu gosto de alternar bastante. Fiz Estilo Vagabundo 3 com o Bruno Cons, Monstrão tem a produção do Pedro Gomes. Nesse caso, por exemplo, eu dei a música na mão dele. Gosto disso também. De dar a música na mão do diretor e deixar ele roteirizar, desenvolver as ideias. Aí, as vezes, dou uma lapidada em algumas ideias. Em Monstrão, do Pedro Gomes, elas foram todas aceitas, ele fez uma pesquisa do meu universo.

Terra - Em Eu Vou você fala de não se importar em interagir com a televisão, que é algo muito discutido atualmente. Nos protestos recentes, a relação do público com a TV também estava em pauta. Você já foi mais duro com esse tema? Quando começou a enxergar a interação com a TV como algo positivo?

MV Bill – Quando a TV mudou comigo. Sou muito crítico. Quando eu comecei a fazer a minha música, a TV era muito menos plural. Falta muito ainda para ela enxergar a multiracialidade que existe no Brasil, mas melhorou muito já. Esse passado de pouca diversidade sempre me incomodou muito. Era uma contradição. O Brasil é o País que mais tem gente preta, afro, fora da África. E era todo mundo suíço na TV. Não pode ser tabu para a nossa sociedade. Isso melhorou. Por causa dessas modificações, passei a ser mais flexível. A gente precisa diversificar mais. O meu discurso precisou mudar. Até nas músicas, que eu falava do jovem da periferia que não come, não tem roupa, que andava descalço, sem perspectiva. Com as transformações em algumas favelas, não em todas, mas algumas, esse jovem continua sem comer, mas agora ele tem acesso a internet, tem celular, dois brincos de diamante em cada orelha, ouve outra música, não só aquelas que são da favela, quer ter uma casa do caralho fora da comunidade, um carrão da hora.  O perfil do jovem da comunidade mudou, a minha música acompanha essa mudança, se não ele não entende a linguagem, não entende o que eu quero passar.

Terra - Estilo Vagabundo 3 fala sobre uma relação marcada pelo ciúme. Você é ciumento?

MV Bill – Ah, eu sou um pouco. Minha mulher é jornalista, DJ, webdesigner . Ela tem que ter contato com uma porrada de gente, muitos deles homens. Mas eu entendo que é o trabalho dela. Então, se eu for ter ciúme, ela não vai trabalhar, vou ter que deixar ela trancada em casa. É o trabalho dela. Não tem como.

Terra – E ela? É ciumenta?

MV Bill -  Acho que já teve mais. Sou tranquilo. Quase não saio. Não vou para balada. Sou muito caseiro. Vivo viajando a trabalho. Gosto de dar um role pela Cidade de Deus, mas é só isso. Gosto de ficar em casa. Não me envolvo nesse tipo de polêmica, não tem disse me disse com meu nome. Eu também não exponho muito a minha vida pessoal. Eu posto fotos dela nas redes sociais, mas tento preservar ao máximo o nome dela.

Terra - Você começou no samba...

MV Bill – É, mas...

Terra - ...mas não gostava!

MV Bill – Isso! Muito obrigado! (risos)

Terra  - Não pensa em revisitar essa parte da sua carreira?

MV Bill – Não. O passado foi embora. Fazia isso porque meu pai obrigava. Ele estava se separando da minha mãe. Alguns homens, acontece bastante na periferia, se separam das suas mulheres e dos filhos também. Não existe divórcio de filho. Aconteceu isso na minha família. Meu pai usava isso como chantagem. Ele queria que eu fizesse o samba dele. A contra gosto.  Era compositor na escola de samba lá da Cidade de Deus. Sabe, talvez eles não cortassem a gente porque achavam legal. Mas eu acho que era ruim para caralho, então, acho que não cortavam a gente por pena mesmo. (risos)

Terra – Você estrelou Odeio O Dia dos Namorados e agora vai participar da série Se Eu Fosse Você, da Fox. Ser ator sempre te agradou ou veio sem querer?

MV Bill – Eu já gostava pra cacete. Gosto muito de dramaturgia. Faço críticas, porque eu assisto muito à TV. Gosto muito da história, presto atenção em roteiro. Já atuava, fazia algumas coisas, mas nada comparado à TV ou ao cinema.  Na CUFA, tem um curso de teatro. Caio Blat e o Lázaro Ramos deram algumas oficinas e eu fiz alguns exercícios, mas nada que pudesse me transformar em ator. Esses exercícios, misturados com os vídeos, em que eu já atuava, me renderam alguns convites. Faço me divertindo. E estão sendo personagens diversificados. O primeiro convite foi para o filme de Sandra Werneck, Sonhos Roubados, que eu fazia o papel de presidiário. Em Malhação, eu era um professor de física e matemática. No Odeio o Dia dos Namorados, um policial chorão. Agora, em Se Eu Fosse Você, vivo um artista plástico falido. Eu fiquei feliz dos diretores me enxergarem com essa diversidade. Um cara como eu, com o meu tipo físico, teria papel normalmente como faxineiro, ladrão, presidiário, estuprador, sei lá. Mas não. Tem sido bem diversificado, me dá oportunidade de viver diferentes personagens, isso me deixa bem feliz.

Terra – Você está escrevendo um novo livro com Celso Athayde, com quem fez o projeto Falcão – Meninos do Tráfico, em 2008. Qual vai ser o tema do livro?

MV Bill – Bom, você sabe que, se tratando de um livro com Celso Athayde, pode ser sobre qualquer coisa (risos). Mas vai ser sobre o meu crescimento dentro da Cidade de Deus, a minha relação com a comunidade e a transformação local. O Celso vai fazer a mesma coisa só que na favela do Sapo, onde ele cresceu, que é onde foi criado o Comando Vermelho.

Terra – Então, vai ser um livro bem voltado para a história de vocês...

MV Bill – É, eu estava evitando dizer isso, mas é por aí, não é só isso, mas tem bastante da nossa história.

Terra - Quem são os "monstros" do rap nacional atual que você admira?

MV Bill – Tem vários! Alguns nomes atuais que contribuem, outros que nem tanto e passam batido. Eu separaria o RAPadura. Não é porque ele participa do meu disco, até porque ele só participa porque eu me identifico com ele. Mas é, principalmente, porque ele é o primeiro rapper do Nordeste que não tem vergonha do sotaque, das raízes, da cultura local. Você pode convidar ele para um evento no Teatro Municipal, que ele vai com a sandália de couro dele, o chapéu, como sempre está, sem a menor vergonha disso. Cria suas próprias gírias, mistura o rap com a música local, com músicas do Gonzagão. Acho que ele tem um dos trabalhos mais monstros da atualidade. E talvez por preconceito territorial, por ele ser do Nordeste, falar de uma forma diferente, talvez por isso ele não tenha muito espaço. Ele é o cara mais monstro da atualidade, na minha opinião. Para quem não conhece, fica a dica.

Terra - Você falou da mistura de Gonzagão com o rap, feito pelo RAPadura. Você tem algumas parcerias com cantores e bandas de outros estilos musicais, como foi com Charlie Brown Jr. Acha importante essa integração? Ache que alguns fãs ou até rappers mais ortodoxos ainda são resistentes a essa mistura?

MV Bill - Quem faz musica não pode ficar tão atento a esse tido de crítica. Estamos em um País que tem tamanho e dimensão de um continente. Quanto mais mistura, mais ela passa a ter a nossa identidade. Para esses mais puritanos, é sempre bom saber que o rap surgiu da mistura. Soul, funk music dos anos 70. Se não tivesse o funk real de James Brown, por exemplo, o rap nunca teria sobrevivido, foram essas misturas que deram sobrevida ao rap. Acabou virando algo mundial. Quando um grupo de raggae nacional faz a levada do raggae, eles não estão imitando os jamaicanos, porque isso já é algo de domínio público, mas eles tem o estilo deles. No rap, já é possível encontrar na África, um rap com características culturais africanas. No Brasil,  não é só um tipo que podemos nos identificar. Você pode misturar rap com congada, característico de Minas Gerais e Goiás, com os sons dos tambores africanos da música baiana, músicas gaudérias, que tem influência do Uruguai. No Nordeste, temos vários ritmos locais. E ainda há quem possa dizer: não, mas é o samba que representa. E mesmo o samba tem vários tipos, canção, choro, enredo. São muitas formas de fazer. O que não podemos fazer é esperar um Dr. Dre, um dos maiores produtores do mundo, vir ao Brasil para dizer que dá para fazer rap com Gonzagão, com Caetano Veloso e Chico Buarque.

Terra - O que mudou de 1999, quando você cantou com aquela arma de brinquedo na cintura no Free Jazz Festival, causou polêmica na imprensa e estourou, para cá, quase 14 anos depois?

MV Bill - Muita coisa! Eu era muito ortodoxo. Sisudo. Até um pouco amargo. Não conseguia enxergar a felicidade em determinadas coisas. Quando surgiu a CUFA, que me tirou a responsabilidade de mudar sozinho a sociedade, que me trouxe o coletivo, eu me vi emaranhado a eles para transformar o Brasil em um país mais igualitário. Nem todo mundo é meu irmão, mas nem todo mundo é meu inimigo. Passei a ver que não era todo mundo fora da comunidade que tinha algo contra mim. Esse tempo me deu mais flexibilidade. Foi muito importante para o meu amadurecimento. Naquela época, eu já tinha 21 anos, mas era um molecão. Não tinha experiência, já tinha me fodido bastante na vida, mas não tinha experiência. Agora, estou beirando os 40 anos, tenho experiência de vida, de profissão, acho que melhorei. 

MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
MV Bill lançou seu novo álbum, que leva o nome de 'Monstrão'
Foto: Divulgação

Fonte: Terra
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