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Guilherme Arantes critica sertanejo e falta de amadorismo: estamos em crise

Arantes considera seu novo disco o "mais completo" de sua carreira e conta que adoraria ter outra música na trilha sonora de novelas

20 abr 2013 - 12h56
(atualizado em 23/4/2013 às 13h55)
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Guilherme Arantes se disse grato pelo sucesso da canção na novela 'Anjo Mau'
Guilherme Arantes se disse grato pelo sucesso da canção na novela 'Anjo Mau'
Foto: Pedro Matallo / Divulgação

Em seu novo disco, Guilherme Arantes retoma todos aspectos musicais que o fizeram popular nos anos 70 e 80 – mas, desta vez, como ele próprio define, sem ouvir “abobrinha” de nenhum produtor. Condição Humana foi gravado no estúdio Coaxo do Sapo, montado pelo próprio, e para Arantes é o “o álbum mais completo e mais com a cara” de todos que fez.

O cantor revela estar num dos momentos mais felizes de sua vida pessoal
O cantor revela estar num dos momentos mais felizes de sua vida pessoal
Foto: Pedro Matallo / Divulgação

O cantor diz que faz música “que nem passarinho faz o ninho”, e critica a “falta de amadorismo” da música atual. “A palavra profissionalismo desvirtuou um pouco a necessidade de amar o que estão fazendo”, opina. 

Aos 61 anos de idade e morando na Bahia, o paulistano conta que está em um dos momentos mais felizes de sua vida pessoal. Elogia o funk e critica o sertanejo (“é obsceno ficar rico assim”) e chama a zona franca de Manaus de “podre”. E parece ter encontrado seu próprio tom na indústria musical: não pretende vender muito, mas tenta dar qualidade aos fãs. Mas confessa: queria que outra música sua fizesse sucesso em uma novela, como aconteceu em Anjo Mau (novela exibida na TV Globo em 1997). “Hoje eu tenho uma visão positiva da humanidade, mas não deixa de ser crítica”.

Veja a entrevista na íntegra:

Terra - Em seu site, você fala que resgatou um pouco da sua pegada anos 70 e 80, que não ouviu "abobrinha" de nenhum produtor para fazer esse disco. O resultado é a sua música verdadeira?

Eu nunca tive as condições que esse disco me ofereceu, técnica e o domínio de não depender de produtor de estúdio, direção artística, que hoje eu enxergo que foi uma coisa que marcou uma época da música. Deu pra ter uma visão mais holística do disco, do que as pessoas queriam. E eu descobri que as pessoas queriam que eu voltasse ao som típico da minha geração, de um momento. São músicas melódicas e umas letras com o meu estilo direto de falar, e acabou saindo um disco basicão, bem firme, com pé no chão. É o mais completo e mais com minha cara de toda minha historia. É o melhor porque as músicas são melhores, eu tive mais tempo para juntar as migalhas e fazer um bolo mais substancioso. 

Terra- Todo seu disco está disponibilizado no site. Como é fazer música nos tempos modernos?

É que nem eu ponho no texto. Eu tinha escrito que a gente faz música que nem o passarinho faz o ninho, por mais que tenha coisas pré-fabricadas, a gente nasceu pra fazer aquilo. É como parte da condição humana, eu não nasci pra ficar sem fazer disco, não tem condição. As pessoas novas estão fazendo música e obtendo coisas pequenas. É uma moçada que tem o idealismo. A arte está precisando resgatar o amadorismo, no sentido de quem ama, a palavra profissionalismo desvirtuou um pouco a necessidade de amar o que estão fazendo. Quando fala de música, cinema, balé, tem que ter paixão. O mundo tem paixão para as pessoas serem apaixonadas pelo que fazem. Comercialmente pode não correr da forma que queremos, mas pelo menos o seu amor se cumpriu. Estamos em época de crise, de valores, muita gente, passa por um mundo convulsionado, difícil de viver. Falta amor e amadorismo nas pessoas.

Terra - Você fala em visão de estranhamento e incômodo numa "sociedade que até às vezes parece evoluir para a felicidade geral" e letras carregadas de "náusea". E, ao mesmo tempo, as músicas são felizes...

A minha mulher fala que o disco está muito pra cima. Mesmo sendo reflexivo ele está pra cima... É um momento que estou vivendo, não é cáustico, mas consegue ser crítico. Acho que é bom, talvez por estar mais feliz na minha vida pessoal, tranquilo, sossegado e alegre, positivo e colorido. Não é uma coisa que tá em branco e preto. O fato de fazer o (estúdio) Coaxo do Sapo e ter filho... Eu me sinto amando a música – um sonho da música que a gente não pode deixar morrer. Não pode ficar preso do marketing, da divulgação da indústria, do dinheiro. Nós não fizemos música pra ficar milionário – Arnaldo Antunes, eu, Zeca Baleiro. É diferente de um sertanejo universitário em que o fundamento é ficar milionário. A proposta é utilitária, desproporcional, é muita grana, meio milhão por show.  A gente passa achar ridículo, é uma retribuição ridícula, é obsceno ficar rico assim. 

Não tenho vaidade de vender muito, quero ser vendedor de qualidade. Mesmo quando eu estava no ápice,  o máximo que consegui foi 100 mil cópias. Hoje eu tenho uma visão positiva da humanidade, mas não deixa de ser crítica. 

Terra - O disco fala do tempo, e você diz se sentir novo como se tivesse 20 anos. É verdade? E a maturidade adquirida neste processo? Condição Humana é uma reflexão sobre sua maturidade?

É sobre a certeza da passagem do tempo. Eu olho com muito agradecimento o que tenho, o que consegui, marcar a vida das pessoas, os meus filhos. Me sinto na busca de aspirar o ar com cheiro do novo. Eu era um jovem desesperado, com 20 anos de idade eu tinha urgência . Jovem corre de peito aberto sem receio. Depois fica velho e começa o processo de por o pé no freio, ter mais religiosidade – porque está com cagaço de morrer – mas aí vive só para o cagaço, pra se manter na terra.

Terra - Uma de suas músicas, Meu Mundo e Nada Mais, estourou na novela Anjo Mau. Como você viu isso na época e como vê atualmente? Gostaria de mais um sucesso em alguma trama global? (quais são os pontos positivos e negativos disso?)

Eu gostaria que tivesse mais uma novela com música minha. A repercussão acaba ampliando o espectro do público, mais fãs, eu sonho ter uma música forte em novela. Eu sou muito grato pelo que aconteceu. Demos muita sorte com o tema. É uma delicia você pegar um tema forte e conseguir atender uma demanda, para o cinema também. Ter música no cinema é barbado, como em Garota Dourada (1984). Quanta gratidão! Fiz por alegria, não cobrei nada. As coisas que fazemos assim – por prazer – ficam pra sempre.   

Terra - Qual sua opinião sobre pirataria?

Eu acho que me incomoda é a tributação do CD, é criminosa, o governo não precisa desse dinheiro. Podia liberar como liberou o livro. Sarney conseguiu com a lei Sarney zera a tributação do livro e ai você entra numa livraria cultura e vê o resultado, o setor editorial chegou a engolir o mercado fonográfico, é um absurdo.  Se fosse parlamentar... Ah, não tenho saco pra me chamarem de vagabundo, não estou afim. O politico lida com o a possibilidade do mal, o que não quero lidar. Com analogia ao livro faria algo pra acabar a tributação do CD. A quem interessa essa tributação. A bancada da zona franca de Manaus, que é uma bancada podre. Ele mantém pra terem isenção na região deles. São podres de rico fabricando eletroeletrônicos na Amazônia. Como diz Boris Casoy: é uma vergonha.  Mas não tenho raiva da pirataria – é fruto de uma tributação equivocada. 

Terra - O que acha dos artistas de hoje? Sertanejo, funk, etc? Que músicas você escuta?

Adoro funk, não sou contra, o funk carioca tem uma coisa única, pegada incrível, pegada sexual – pegada do Eros. A coisa erótica é altamente positiva pra a sociedade. O funk serve como um remédio pra a garotada no sentido que estão se esfregando e dançando, eles não estão se matando e pitando crack. Eles estão cultivando uma coisa sagrada do ser humano. É o mais próximo do divido é a sexualidade. É muito especial, tem um batidão forte. É que nem Gaby Amarantos com a guitarrada, o Brasil é um País de festa, tem que ser isso A gente não pode perder essa alma festeira. O mundo quer isso avidamente – nosso amor, alegria, vitalidade, mulher, a carne. Tem que ter respeito. Eu só acho o sertanejo muito armada, não tem muita naturalidade. Tem deputado empresário por trás, não tem espontaneidade da cena de Belém, do hip hop, funk e rap. Não gosto dessa maquinação. 

Terra - Há canções de amor no disco. O que te inspira para escrevê-las?

Amor é uma fartura transformadora da vida. É o lado mais imponderável, profundo emotivo. O que me leva é que eu sou amoroso, com os filhos e mulher, são super carinhosos. Você vê a contrapartida, os filhos que foram criados com amor, os filhos vao seguir nessa mesma cartilha. Mesmo que errando, você nunca vai se arrepender, por amor. Menos matar por amor, porque não se justifica.

Fonte: Terra
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