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"Difícil é surpreender quem te acompanha", diz Lulu Santos

Em entrevista ao Terra, cantor fala sobre seu primeiro disco de inéditas em cinco anos: 'Luiz Mauricio'

20 out 2014 - 13h03
(atualizado às 13h13)
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Depois de cinco anos sem um disco com músicas inéditas, Lulu Santos está de volta. O artista está lançando seu novo álbum Luiz Mauricio, quase uma autobiografia. A começar pelo seu nome de batismo, que dá nome ao trabalho, e pela foto, sua, criança, com a mãe, fotografado pelo pai. Um álbum onde volta a trabalhar com o DJ Memê em 12 faixas que prometem colocar todo mundo para se mexer nas pistas de dança.

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Cada vez mais eletrônico, Lulu Santos ataca de início com o single Sócio do Amor, cujo refrão já anda pegando nas rádios. Curiosamente, o artista abre o álbum com Luiz Mauricio e Sócio do Amor nas versões remix, antes de apresenta-las em sua versão original no fim do álbum. E ainda deixa aflorar sua paixão pelo funk com a presença de Mr.Catra em Michê (chega de longe bis), além de duas faixas instrumentais em que valoriza as levadas e o blues.

Foto: Reprodução

O artista recebeu o Terra para uma entrevista exclusiva em em restaurante da zona Sul do Rio, onde escancarou sua relação de trabalho com Memê (“Nós dois não podemos ocupar o mesmo espaço”), e fez críticas à nova forma de se vender música. Lulu diz ainda que está engajado no Pono projeto de Neil Young de pretende resgatar o jeito não digital de se ouvir música: “O que se está ouvindo agora é muito ruim” e, claro, falou do sucesso do The Voice Brasil.

Terra - Você rejeita o título de um disco autobiográfico?

Lulu Santos -  

Não necessariamente.

Terra - Qual é então sua intenção com esse trabalho: se apresentar a um público novo ou surpreender quem já é teu fã?

Lulu Santos -

O mais difícil é surpreender quem te acompanha. É a responsabilidade de quem já está no barco. E não é pouca gente, porque não é pouco tempo. Para mim mesmo, jovem e adolescente, cada disco de um artista importante que eu gostava, era uma coisa que eu ansiava. E quando saía, era uma espécie de mapa, de iluminação, de alguma natureza que eu buscava. Quem é novo vai um pouco com a onda.

Eu tive aquele primeiro momento, na década de 80, de muita rádio, muita repercussão. As canções que ficaram popularizadas ali, que ecoam nos shows e as pessoas usavam. Depois, teve o período da década de 90, mais dance, eletrônico, que reacendeu cada uma dessas pontes da carreira, e que trouxe uma nova onda. Mas você está sempre juntando coisas e sempre surpreendendo a quem já está e a si mesmo.

Terra - Esse teu disco marca sua volta à parceria com o Memê. Dos seus três trabalhos anteriores com ele, parece-me que este seja mais parecido com o Anticiclone Tropical do que com Assim Caminha a Humanidade mesmo do que com Eu e Memê, Memê e Eu.

Lulu Santos -

Estou tentando entender o que você está dizendo. (pensa) O

Anticiclone

 foi o disco que dissolveu a parceria com o Memê. Ele saiu insatisfeito, e eu saí já satisfeito com o que tínhamos feito juntos. Tem uma coisa interessante. Nesse disco (“Luiz Maurício”), eu tive a sapiência que nós dois não podemos ocupar o mesmo espaço. E a gente trabalhou à distância. O disco não é tão a visão dele das coisas, mas é a visão dele mais sob meu controle. Tem a mão dele, a impressão dele, mas as escolhas são minhas. E quando se está ali, rachando o espaço de ombro, a gente descobriu que isso leva ao desgaste. Por isso, moramos em casas separadas (risos).

Foto: Leo Aversa / Divulgação

foto: Leo Aversa/Divulgação

Terra - E quando você diz que tem mais o seu controle, isso significa dizer que você pôde trazer o funk para dentro do disco, algo que você diz que adora.

Lulu Santos -

Isso, por exemplo, é algo que ele detesta. No decorrer dessa história ele disse: “Você ainda vai me fazer gostar disso (o funk)”. Por conta da célula de funk que eu coloquei. A gente conhece a intensidade pessoal de cada um. Ele tem 50 anos e eu tenho 60. Trabalhamos juntos há 20 anos. Já sabemos como é que funciona e como não funciona. Funcionou macio, até por causa disso, porque eu tinha as cartas na mão.

Terra - Há pouco tempo, o Tony Belotto, dos Titãs, disse que via através dos filhos um novo tipo de consumo da música. Não se consome mais o álbum. Como é para um artista lançar um álbum no momento em que se podem consumir apenas singles? 

Lulu Santos -

É um pouco indiferente. O álbum sempre viveu dos singles. Sempre foi importante a chamada “música de trabalho”. Você imagina um escravo carregando um saco, trabalhando. Essa música carregava o álbum. Tinha que ir para a rádio, fazer o clipe. Sempre houve seletividade por faixa. Só que o pobre do consumidor estava obrigado a levar o álbum mesmo quando a faixa caía em desuso. Não acho que a faixa em si seja um problema. O consumidor acaba consumindo apenas o que ele quer. Se isso vai ser uma tendência é uma discussão mais ampla. Por outro lado, para mim, como compositor e artista pop, meu disco sempre teve singles que funcionavam autonomamente. E se chama álbum justamente porque era o jeito de se colecionar os singles. Você lançava, por exemplo, um álbum com singles dos últimos quatro anos. Os Beatles funcionavam assim. Os primeiros álbuns eram coletâneas dos singles anteriores com um pouco de cover no lado B para encher as 12 faixas.

Terra - E essa tendência de consumir o single não dá mais espaço para o lado B aparecer mais?

Lulu Santos -

Não. No CD, que não divide mais o disco em duas faces físicas, há um ganho. Porque você pode mais contar a história e não qualifica mais nem um lado e nem o outro. E ainda te permite desenvolver um loop sem fim nas músicas.

Terra - E você em Luiz Maurício muda um pouco as coisas: abre o álbum com um remix, antes da música original que vem lá no fim do disco.   

Lulu Santos - Eu acho que as versões remix são mais sedutoras, piscam mais o olhinho. Elas têm a sapiência do DJ, de saber o que funciona para as pessoas. O DJ tem uma forma muito prática de entender musica em quaisquer circunstâncias. Meu DJ residente é o Memê, e foi com ele que eu desenvolvi essa simbiose. Se tiver o Lincoln (Olivetti) junto então, é a Santíssima Trindade. É o beat seguro do DJ, aquele que é capaz de fazer o extra que eu não pus na minha música.

Terra - Você está lançando seu disco em CD e no Itunes. Recentemente o U2 lançou o disco grátis no Itunes e teve que pedir desculpas porque muita gente não queria e não conseguiu tirar as músicas dos telefones, já que as músicas baixaram de forma automática.

Lulu Santos -

Isso. Aconteceu comigo. Entrou no telefone automaticamente. Eu tenho o disco do U2 sem querer.

Terra - Eles pediram desculpas...

Lulu Santos -

Eles deveriam sei lá, ter devolvido o dinheiro.

Terra - Como você vê essa nova forma de comércio musical?

Lulu Santos - 

Não é problema meu, mas estou cansado disso. Você quer ver (mostra o telefone). Eu quero tocar algum disco (abre um disco que tem no celular). Mas aí eu vou puxar esse disco e ele está na nuvem. E como troquei de telefone eu não tenho o disco. Tenho, mas não tenho, entende? Meus discos, se eu guardar direito, sei onde eles estão. Estou cansado de não ter meus discos. O importante é o cara te vender uma plataforma nova. Eu torço para uma nova proposta do Neil Young que é o “Pono”. Ele conseguiu U$ 800 mil para desenvolver o aparelho, que devolve a dimensão da música não digital. A profundidade, os espaços, os ecos. Quando ele fala isso, eu entendo. Um dos álbuns que mais me formatou foi

After the Gold Rush

, feito por ele. Foi muito importante. Tinha só piano, só violão, uma dimensão. É uma forma de audição que se perdeu. E ele, Young, e argumenta que as pessoas estão se desinteressando por música, porque o que se ouve é muito ruim. Então precisamos voltar a um padrão de audição mais compensador.

Foto: Leo Aversa / Divulgação

foto: Leo Aversa/Divulgação

Terra - Falando em ouvir músicas boas, você tem ouvido coisas boas no The Voice?

Lulu Santos -

Vozes maravilhosas. Lá é uma corrida de vozes. A seleção é segura. Estamos na terceira edição e é espantosa a qualidade. Não perco o interesse. Meu time esse ano é muito forte, algo excêntrico, mas com vozeirões muito especiais.

Terra - E esses vozeirões têm a capacidade de se manter no mercado da música?

Lulu Santos -

Depende de cada um. Exclusivamente da dedicação de cada um. Na arte, assim como no comércio e em outras atividades, não se tem garantia de nada. Essas pessoas, independentemente do tempo de carreira que tenham, ou do tempo de exposição na TV, não têm garantia de sustentação da carreira. Depende de cada passo: da circunstância, da sorte e das escolhas que a pessoas vá fazer. Eu vejo, por exemplo, a banda Malta, que é do outro programa: porque faz escolhas mais próprias, mais autorais, parece estar engajado com o mercado. Pode ser que algum dos nossos também consiga.

Terra - Faz-se uma crítica ao The Voice por chegar à terceira edição sem ter “estourado” ninguém.

Lulu Santos -

Porque isso depende. No The Voice são vozes, não é o foco no criador. Não está revelando compositores ou grupos. No máximo são duplas e é baseado no poder vocal. Não entra em consideração outros fatores.

Terra - Para terminar, porque tanto tempo, cinco anos, para um disco de inéditas?

Lulu Santos -

Esse é o tempo certo. É o 25º disco. Quando lancei 

Singular

, eu tinha a noção de que tinha superproduzido, passado da conta. Que tinha produzido ou compulsória ou compulsivamente. Talvez entre 2001 e 2010 eu tenha feito os discos em que minha fórmula não eletrolisou direito. Talvez porque estivesse gastando mais energia na minha vida pessoal, talvez por repetição de fatores.

Quando esse disco ficou pronto, alguma em mim impediu que eu tivesse essa mesma sensação. Por outro, o fato de eu estar três anos no centro do interesse do público que acompanha música, me deu uma noção, um senso de responsabilidade do que eu represento. E existe esse trato do artista de não decepcionar o público. E isso me fez querer fazer um álbum do qual eu me orgulhasse e valesse a pena para quem gosta da minha música. De novo, voltando àquela coisa de me surpreender e surpreender as pessoas. A melhor coisa é aquela pessoa que vai ao seu show há dez anos e diz: “Esse é o melhor show”. É despertar o interesse.

Fonte: Terra
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