Caetano: se Luan Santana não é MPB, então o que é MPB?
- Renato Beolchi
- Direto do Rio de Janeiro
Caetano Veloso polemiza quando o assunto é música; opina quando é política, mas esquiva-se quando o tema fica muito cabeludo. Caetano vira bicho quando a ofensiva volta-se para a religião de seus filhos. É o que se pode resumir da entrevista exclusiva que o cantor e compositor concedeu ao Terra na noite da última sexta (18) no Rio de Janeiro. O encontro se deu por ocasião do lançamento do DVD Caetano Zii e Zie, gravado em parceria com a MTV no final do ano passado e que chega às lojas na próxima terça (22). O vídeo registra a turnê de divulgação do álbum Zii e Zie, lançado em 2009.
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Na conversa, Caetano brincou quando o assunto era uma eventual disputa entre MPB e sertanejo universitário, personificado principalmente na figura de Luan Santana. "Eu não posso entender por que o Luan Santana não é MPB. Se isso não é música popular brasileira, o que é?", provoca ao criticar os "rotuladores" da imprensa. E ainda rejeita ter apadrinhado a nova geração da MPB. "Acho que muita gente não vai gostar desse apadrinhamento, então não quero atrapalhar."
O músico baiano fala bastante de política. Até o assunto ficar perigoso. Caetano elogia Dilma - apesar de criticar sua campanha - e vê com bons olhos a gestão de Ana de Hollanda no Ministério da Cultura: "saudei a chegada dela porque é uma pessoa bacana, de alto nível". Mas esquiva-se quando o assunto vira o receio que a ministra despertou em parte da classe artística. "Esse negócio de ajuda ou facilitação oficial para expressão artística é um assunto muito delicado."
Pai protetor, Caetano Veloso esbraveja - ao seu modo bem particular - quando seus filhos estão ameaçados. No encontro, relembrou as circunstâncias da entrevista que concedeu recentemente ao jornal Folha de S. Paulo em que disse que dois de seus filhos são evangélicos e frequentam a Igreja Universal do Bispo Edir Macedo. Ao saber da reação popular, que criticou a escolha, Caetano disparou: "ninguém tem nada que se meter na vida íntima, espiritual e religiosa dos meus filhos. Isso é burrice. É burrice."
Leia abaixo a entrevista exclusiva de Caetano Veloso na íntegra:
Você pretende fazer uma turnê para divulgar o DVD?
Eu vou fazer possivelmente alguns shows, poucos. Mas turnê, de novo, não. Com esse show eu fiz uma turnê grande pelo Brasil inteiro, América Latina, Estados Unidos, Europa. Agora eu gravei o DVD. A gente pode fazer uma festa pra dizer que foi lançado, mas turnê não.
E esses eventuais shows serão parecidos com o do DVD?
É, serão basicamente aquele show.
O show de lançamento do Zii e Zie aconteceu no Credicard Hall em São Paulo, mas parecia ter sido montado para casas pequenas. Isso foi intencional?
Qualquer show é desenhado para uma casa menor que o Credicard Hall. A nossa banda é pequena. Eu me lembro desse show em São Paulo, e gostei dele. Mas o lugar é muito grande. Parece que (o público) está muito longe. Mas o show saiu bom.
Você transita entre o indie e o mainstream. Toca com a banda Do Amor e com Maria Gadú...
Cara, esse negócio de versatilidade começou desde antes do Tropicalismo. E, naquela época, virou uma espécie de ferramenta pra gente mexer com coisas diferentes. Eu não gosto de ser colocado num lugar certo da estante. Então eu vario. Mas o trabalho com dois músicos da banda Do Amor começou antes mesmo de ela existir. São dois músicos jovens que o (guitarrista) Pedro Sá - que também é jovem, mas menos que eles -, convidou para tocarem comigo o repertório do Cê tal qual eu imaginava e como eu tinha mostrado a ele. Deu certo: Marcelo (Callado, baixista) e Ricardo (Dias Gomes, baterista) são espetaculares.
E com a Maria Gadú?
Já a Maria Gadú não foi um plano meu. Foi uma coisa totalmente acidental. A Globosat iria inaugurar uma sede nova e convidou a Maria Gadú e eu para fazermos um show pequeno. Cada um iria cantar cinco canções. Nós aceitamos, e eles perguntaram se nós não poderíamos cantar alguma coisa juntos. Eu já conhecia a Maria Gadú porque fui num show dela. Ela sabe as minhas músicas, sabe as letras, sabe tocar. Então foi fácil. Escolhemos duas ou três músicas pra cantarmos juntos. E as pessoas gostaram, e terminaram propondo fazer essa excursão que nós fizemos. Então foi assim: casual. Mas foi muito bom, porque ela é muito boa, toca muito, é boa de convivência. Não deu trabalho nenhum. Mas não é como o caso dos meninos da banda, que eu fui procurar porque queria fazer aquele tipo de música.
Como você encara o título de "padrinho" da nova geração?
Eu nem sabia que tinha esse título. (Risos). Mas eu fico contente. Eu gosto de ouvir o pessoal novo que toca. Vou ver aqui no Rio quando eles fazem show. Sejam do Rio, sejam de fora, sejam de São Paulo. Sempre que posso vou ver shows e ouço os discos, converso com os meus colegas. Mas não me sinto padrinho. Acho que muita gente não vai gostar desse apadrinhamento, então não quero atrapalhar.
Com o sertanejo universitário em alta, você vê a MPB em baixa? Ela precisa ser reavaliada?
Eu não consigo separar MPB de sertanejo universitário ou secundarista, porque MPB é música popular brasileira, eu não sei por que o sertanejo não estaria incluído aí. É um critério meio difícil de justificar. Eu entendo vagamente quando uma pessoa está conversando comigo, e diz: "eu achei muito MPB". Eu sei mais ou menos o que a pessoa quer dizer. Ou então: "ele é MPB. Não é rock, não é sertanejo, não é axé: é MPB". Mas isso não chega a configurar nem gênero, nem estilo. Acho que isso me desnorteia. Tudo bem que a imprensa diga que precisa usar rótulos para orientar os leitores, mas eu não posso me submeter a isso. Muitas vezes, esses rótulos mais desorientam do que orientam. Eu não posso entender por que o Luan Santana não é MPB, porque a Daniela Mercury não é MPB. Se isso não é música popular brasileira, então o que é música popular brasileira? Ainda diz assim: "é samba de raiz, não é MPB". Eu não entendo. O que a Mart'nália é? É samba, MPB, ou as duas coisas? Ou a MPB não será mesmo como diz a MPB FM: "tudo"? MPB é tudo. Embora a própria rádio não ponha em prática esse princípio.
Recentemente o cineasta Win Wenders mandou um e-mail pra você pedindo a música Leãozinho para um documentário sobre a coreógrafa Pina Bausch. Como foi isso? E como era seu contato com ela?
Eu tive contato com Pina diretamente aqui no Brasil. Eu fui apresentado a ela pela Monique Gardenberg quando teve uma apresentação em que ela estava envolvida. Houve um jantar na casa dela para a Pina e para o pessoal da companhia, e eu fui e a conheci Pina. Eu sou louco pelo trabalho dela. E comecei a falar com ela sobre o que eu tinha achado, com a maior cara de pau. Ela não gostava que se falasse teoricamente sobre o que ela estava fazendo. Eu sabia disso, falei mesmo assim. Mas ela gostou de mim. E ficamos amigos, ela chegou a me chamar para participar daqueles festivais que ela fazia em Wuppertal. E uma vez ela até conjugou a minha apresentação com o balé dela. Eu estava cantando Garota de Ipanema e ela usou o cenário do Masurca Fogo: as moças de biquíni sentam numa pedra, como se estivessem tomando sol. Elas refizeram toda aquela cena enquanto eu cantava. Então eu tinha contato com ela. Ela veio em minha casa. Uma vez ela veio para o meu aniversário. Era uma mulher muito querida e eu adorava os espetáculos dela. E ela botou o Leãozinho numa peça que chama-se Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã. E é uma cena muito linda a do Leãozinho. É um solo de um bailarino espetacular. E o Win Wenders estava pedindo as autorizções para as coisas que ele tem que usar para o filme da Pina e me mandou um e-mail, pedindo Leãozinho. E eu dei. Respondi dizendo que sim e ele me respondeu de novo dizendo que vinha a São Paulo para uma exposição dele de fotografia. Ele queria que eu fosse para a gente se encontrar. Eu disse que não podia, mas então ele quer que eu esteja presente se possível no lançamento do filme no Brasil. Eu estou louco pra isso porque o trailer é lindo. E saber que ele fez em 3D me animou dez vezes mais, porque se há uma coisa pra que o 3D no cinema foi inventado é um espetáculo da Pina Bausch.
Você foi bastante ativo no blog Obra em Progresso. Qual sua relação hoje com a internet?
Naquela época eu escrevia no blog porque estava fazendo o repertório do Zii e Zie e ainda nem tinha o título do disco. Era Obra em Progresso o nome do blog, e eu escrevia muito ali. Depois, quando ficou pronto o disco, eu parei com o blog e nunca mais escrevi. Eu gostava quando escrevia, mas não senti saudade quando acabou. Mas eu me correspondo por e-mail, olho o Google, vejo coisas no YouTube. Não faço muito mais do que isso. Não tem sites que eu visite sempre.
E com MP3?
MP3 não. Às vezes me mandam por e-mail um arquivo, eu abro e ouço. Mas não tenho uma grande relação. Eu ouço CD. Coloco no tocador e ouço...
Como você recebeu a eleição da presidente Dilma Rousseff?
Bem. Eu, não votei nela. Votei em Marina (Silva, do PV); e quando ficou ela (Dilma) e Serra eu não votei em nenhum dos dois. E fui contra o tom da campanha da Dilma liderada pelo ex-presidente Lula, que é um grande homem, uma grande figura histórica. Mas eu não gostava do tom da campanha, e também não gostei do tom da campanha do Serra, porque ele se atrapalhou muito, e o apoio que ele recebia da direita pela internet era brutal. Eu recebia por e-mail (mensagens que diziam) "veja como é, e tal...". Tinham umas coisas de extrema-direita que eram horrorosas. Tudo bem, não era ele que estava fazendo. Mas o apoio que ele recebia às vezes vinha num tom horroroso, inaceitável.
E a nomeção de Ana de Hollanda para o Ministério da Cultura?
Pois é, está bem. Saudei a chegada dela porque é uma pessoa bacana, de alto nível. Eu a conheço pouco, mas conheço. E gostei que tivesse sido ela a escolhida e acho que ela está se comportando muito bem, com dignidade. Como deveria.
Você então acha injustificado o medo que alguns setores da classe artística declararam ter da gestão dela, principalmente por acharem que possa atrapalhar o que já foi feito em relação a festivais...
Esse negócio de festivais eu não sei direito. E nem sei que festivais são esses, se ela pode atrapalhar ou não. Esse negócio de ajuda ou facilitação oficial para expressão artística é um assunto muito delicado. Você não pode nem dizer que a Embrafilme (estatal criada em 1969 para fomentar a indústria cinematográfica brasileira) era uma coisa certa e nem pode chegar e destruí-la. Tem que ir vendo, devagar. Também não pode haver muita mistificação de ficar muita gente encostada na facilitação que vem do Estado. Então eu não fico muito preocupado com essas questões. Eu confio que a ministra Ana venha a tomar as atitudes mais dignas dentro do quadro dado.
Sobre a entrevista que você concedeu à Folha de S. Paulo, em que falou que seus filhos freqüentam a Igreja Universal, você esperava uma reação tão negativa da opinião pública?
Eu não vi. E, se alguém protestou por alguma coisa, eu não sei o porquê. Na verdade, eu não declarei nada. Apenas o entrevistador me perguntou: "seus filhos são evangélicos, não é?", e eu disse: "olha, eu sou ateu, mas meus três filhos são religiosos. O Moreno tem uma religiosidade muito abrangente, sem uma religião específica, mas é muito religioso. E os outros dois são evangélicos." (Faz longa pausa). Porque ele tinha me perguntado, e eu então dei o panorama assim. Isso é natural, eles têm religião. Eles gostam, eles têm uma vida religiosa. Precisam, gostam disso, como a maioria dos seres humanos. O próprio entrevistador ficou problematizando a questão das igrejas evangélicas, da Universal em particular, e eu respondi de acordo com as perguntas que ele me fez, muito objetivamente. Ninguém tem nada que se meter na vida íntima, espiritual e religiosa dos meus filhos. Isso é burrice. É burrice.