A primeira experiência real de ver um ex-Beatle bem de perto
Acostumado a lotar estádios, em seu 16o show no Brasil, enfim, Paul McCartney tocou numa arena menor para um público de 14.800 pessoas no Rio de Janeiro. Oportunidade única de não se acompanhar o show apenas pelo telão
Lembro que quando tive a primeira oportunidade de ver um Beatle ao vivo na vida, no estádio no Engenhão, no Rio de Janeiro, em 2011, vibrava com o carisma e os flash backs constantes que Paul McCartney me proporcionava praticamente...apenas pelo telão. Bancando o bom moço, dei de presente de dia das mães para minha coroa a chance de ver um dos quatro fabulosos ao vivo – a parte ruim foi ter que comprar uma cadeira, longe da pista, e ver no palco apenas um vulto dançante e cheio de energia. No entanto, nem tão diferente de quem se espremia no gramado, a diferença era que não dava para pular tanto. Enfim.
Quando tomei conhecimento que estava credenciado para mais um show da turnê Out There de sir McCartney no Brasil, agora no Rio de Janeiro, nos meus últimos dias de férias, me dei conta que seria um privilegiado – um dos 14.800, na verdade, que lotaram a HSBC Arena na noite da última quarta-feira, na Barra da Tijuca, num momento ímpar que um dos maiores músicos da história proporcionou para alguns brasileiros afortunados.
Foto: Marcos Hermes / Divulgação
Parem para pensar: desde que resolveu bater cartão no Brasil nos últimos quatro anos, passando por diversas capitais, Paul já havia realizado 12 shows, e ainda fará outros dois em São Paulo, e um em Brasília. Todos em estádios. Mesmo nos antológicos shows no Maracanã, Pacaembu, ou mesmo na Pedreira Paulo Leminski, nos anos 90, ninguém tinha tido ainda a oportunidade de ver o mais longevo e produtivo Beatle da história tão de perto, num clima mais intimista, o primeiro numa arena na América Latina – a ponto de você perceber que o cara pouco transpira, tira palhetas do bolso e faz sinal de asas com as mãos sempre que aciona do repertório algum clássico dos Wings.
Foi esta a exata experiência que este segundo show de Paul McCartney neste ano proporcionou – ele que retorna para fechar a turnê Out There justamente no País onde a começou, com o diferencial de agora incluir em seu repertório quatro canções do honesto e aprazível “New”, disco de inéditas lançados este ano. Longe da pontualidade britânica, mas dentro da realidade do caótico trânsito do Rio de Janeiro, “Macca” iniciou o show com meia hora de atraso – quando alguns fãs ainda corriam para se acomodar na arena nitidamente atrasados.
“É ele, car..., é ele”, gritaram alguns fãs quando ele passou bem ao lado da plateia da pista premium, junto de sua banda, subiu ao palco e abriu a apoteótica noite com Eight Days a Week - de Beatles for Sale, de 1964, afinal, dar o pontapé inicial de um show tão esperado com um clássico sempre é justo, e agrada. O que não agradou, no entanto, foi ter que desviar o pescoço a cada vez que a grua com a câmera insistia em bloquear a imagem ao vivo e a cores de Paul nas minhas retinas– no primeiro sinal de que nem tudo são flores quando se está tão perto.
Antes de Save Us, a primeira da noite oriunda do último álbum, New, sir Mccartney, em bom português, como de costume, lançou: “Oi, Rio, e ae? Boa noite, cariocas, tudo bem”, gritou para uma plateia que ovacionava cada frase. O que deu para perceber claramente neste momento é que ele tem uma cola no chão, previamente pensada para cada momento. Aos 72 anos, Paul esbanja carisma, claro, mas isso não quer dizer que ele ficou treinando as falas no camarim.
Na sequência, veio outra aclamada dos quatro fabulosos: All My Loving, de With The Beatles, de 1963, a canção que, dizem alguns relatos de biógrafos dos Beatles, foi concebida pelo próprio Paul numa barbearia num reles pedaço de papel. Ironicamente, foi o momento em que percebi que na maior parte dos locais onde ele se posiciona no palco existe um ventilador que mexe sua franja de cabelos finos e ameniza o calor de tocar com um paletó.
Em Let Me Roll It, a clássica canção dos Wings regravada por diversos nomes da música, como Richie Sambora, The Melvins, Mandy Moore, dentre outros, Paul relembra que a guitarra que reproduzirá os riffs dançantes “são desta guitarra que eu usava na década de 60”. É neste momento que ele saca do bolso uma palheta nova – cena que se reproduziria sempre que ele trocava o instrumento. Fiquei imaginando um bolão que tentasse adivinhar quantas palhetas ele tinha no bolso, sempre o direito. Coisas de quem está perto de um Beatle, desculpe.
Falando em Wings, aliás, tenho a minha favorita: 1985, com aquele clássico piano da faixa que encerra o aclamado álbum Band On The Run, de 1974, quando ele tinha ainda ao seu lado Linda McCartney. Como ele mudou de instrumento e foi mais para o fundo do palco, não deu para ter o mesmo close anterior a ponto de relatar tantos detalhes. Antes de emendar My Valentine, no entanto, o telão não mostrou, mas ele fez sinal de asas com as mãos em outra cena que se repetiria sempre que lançasse mão de alguma canção da banda que ele seguiu carreira após a fatídica frase de John Lennon de que “o sonho acabou”.
Com um fôlego invejável, Paul, enfim, abre mão do paletó e, por mais que não mostre suor no rosto, em The Love and Winding Road surgem as primeiras “pizzas” no suvaco – na prova cabal de que, por mais que seja um lorde, Paul McCartney é um ser humano e também tem axilas. Se nos estádios a brisa de céu aberto ajuda, numa arena fechada o calor humano fala mais alto.
Já na segunda metade do show, isso ficou bastante nítido em Live and Let Die. Os canhões de fogo após as notas iniciais de piano esquentaram para valer – longe apenas do efeito pirotécnico. Os estouros, aliás, ao final da canção, geraram uma reclamação do protagonista: “too loud”(muito alto). Era possível sentir o cheiro da fumaça, aliás, e ver que mesmo os ventiladores não davam mais conta. Em Hey Jude, na sequência, Paul, aleluia, tinha suor escorrendo em seu rosto.
Quando voltou para o segundo bis, sozinho no palco, “Macca” chutou de vez o pau da barraca: arrancou a gravata e já em clima de fim de festa guiou o coro para Yesterday, de Help (1965), a primeira canção gravada pelos Beatles com o instrumento (violão) e voz de apenas um dos integrantes. O show, afinal, sempre foi dele. “Agora é hora de partir, vocês têm que ir para casa”, ordenou o mestre de cerimônia antes de encerrar 2h45 de show e 39 músicas, com três faixas que são sempre tocadas em sequência: Golden Slumbers, Carry The Weight e The End. Vieram os papéis picados e o sentimento coletivo de missão cumprida.
Set list - Paul McCartney - HSBC Arena - 12/11/2014 (as mesmas músicas tocadas ao vivo no Espírito Santo, na última segunda-feira).
Eight Days a Week
Save Us
All My Loving
Listen to What The Man Said
Let Me Roll It
Paperback Writer
My Valentine
1985
The Love and Winding Road
Maybe I'm Amazed
I've Just Seen a Face
We Can Work It Out
Another Day
And I Love Her
Blackbird
Here Today
New
Queenie Eye
Lady Madonna
All Together Now
Lovelly Rita
Everybody Out There
Eleanor Rigby
Being For The Benefit of Mr. Kite
Something
Ob-La-Di, Ob-La-Da
Band On The Run
Back In The U.S.S.R
Let It Be
Live and Let Die
Hey Jude
Day Tripper
Hi, Hi, Hi
I Saw Her Stading There
Yesterday
Helter Skelter
Golden Slumbers / Carry The Weight / The End