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"Fui um idiota", diz D2 sobre dez anos sem falar com Planet Hemp

10 mai 2013 - 13h58
(atualizado às 14h28)
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"Depois de fazer um disco cantando samba, foi uma necessidade, assim como beber água. Além disso, o rap está num momento bom e percebi que eu queria fazer parte disso", disse Marcelo D2 ao Terra, sobre seu mais recente trabalho 'Nada Pode Me Parar'
"Depois de fazer um disco cantando samba, foi uma necessidade, assim como beber água. Além disso, o rap está num momento bom e percebi que eu queria fazer parte disso", disse Marcelo D2 ao Terra, sobre seu mais recente trabalho 'Nada Pode Me Parar'
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Marcelo D2 recebe a reportagem do Terra avisando que está de ressaca. “Tô rouco, de ressaca, tá foda. Nunca mais vou beber!”, avisa, para logo depois mudar de ideia e abrir uma latinha de cerveja. O ex-vocalista do Planet Hemp passou a madrugada de quinta-feira (9) comemorando o lançamento do DVD da banda Cachorro Grande. “Eles são péssima companhia, como diria a minha mãe”, explica.

Na tarde seguinte, chegou meia hora atrasado para uma série de entrevistas em um espaço da galeria Ouro Fino, em São Paulo, montado para promover seu novo álbum, Nada Pode me Parar. No local, além do frigobar vintage com cerveja, há copos, skates, fones de ouvido, quadros, tudo remetendo à carreira de D2 e ao universo do rap. O álbum, que começou a ser produzido em 2011 e só agora ficou pronto, marca o retorno do músico ao gênero, após passar os últimos anos se dedicando ao samba. 

“Depois de fazer um disco cantando samba, foi uma necessidade, assim como beber água. Além disso, o rap está num momento bom e percebi que eu queria fazer parte disso”, contou, durante uma entrevista de meia hora em que falou também sobre o Planet Hemp, a polêmica banda que o tornou famoso nos anos 90. “A gente exagerou o tempo todo. As pessoas acham que a gente falava de maconha pelo simples fato de falar de maconha, mas era mais para ver qual era o limite. A gente tinha acabado de sair de uma ditadura e queria ver até onde a liberdade ia”, lembrou.

Durante a conversa, entre um gole de cerveja e outro, ainda revelou que dor de cotovelo também pode virar rap - segundo ele, o estopim para o novo álbum foi a separação da mulher, com quem acabou se reconciliando depois - e, sem muita modéstia, disparou: “eu sei que eu sou foda”. Por que você é foda, Marcelo? “Não é óbvio?”, devolveu ele. Confira a entrevista a seguir.

O que mudou  desde A Arte do Barulho (2008) e Marcelo D2 canta Bezerra da Silva (2010)? Acho que muda todo dia, sabe. Eu procuro não me sentar num lugar confortável como compositor, ficar ali e falar “agora vou fazer meu próximo sucesso”. Eu procuro buscar lugares novos, então isso é uma mudança. Quando eu falo “à procura da batida perfeita”, a batida perfeita nunca foi a coisa mais importante, a procura que é a coisa mais importante. Então essa procura faz parte da mudança, do crescimento, e é por isso que eu sou tão grato à música, porque ela me deu tudo isso. E eu espero contribuir um pouco, ser um bom funcionário, um funcionário exemplar, o funcionário do mês, e dar de volta o que a música me deu, dar a minha vida, e não ser um egocêntrico a ponto de achar que eu sou um puta de um artista e que eu sou f... Eu sei que eu sou foda, mas acho que a música é mais importante do que tudo. Eu tô aqui pra isso.

Por que você é foda?

Não é óbvio?

Não. Gostaria que você explicasse.

O rap tem uma coisa interessante que foi a coisa que mais me fascinou na cultura do hip hop. É essa autoestima, de saber levantar, de falar “nada pode me parar, o mundo é nosso”. Não só seu, não só meu, o mundo é nosso. E acho que isso foi a coisa mais legal que o rap me deu, essa consciência de que eu não tô aqui de passagem. Tô de passagem, mas não tô a passeio. Tô aqui pra fazer alguma coisa, e isso é importante pra caramba. Por isso que eu sou foda. 

"Me separei da minha mulher depois de 13 anos de casado. Mas eu voltei depois. Falei ah é? vou fazer um disco!. Aí fiz uma porrada de música que não entrou no disco. Lógico, porque ninguém merece ouvir isso", explicou o músico sobre o nascimento do álbum
"Me separei da minha mulher depois de 13 anos de casado. Mas eu voltei depois. Falei ah é? vou fazer um disco!. Aí fiz uma porrada de música que não entrou no disco. Lógico, porque ninguém merece ouvir isso", explicou o músico sobre o nascimento do álbum
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Por que esse retorno ao rap depois da passagem pelo samba?

Foi super necessidade. Depois de fazer um disco cantando samba, foi uma necessidade, assim como beber água. Além disso, o rap tá num momento bom. Aí vi que eu queria fazer parte disso. Acho que foi simplesmente necessidade como artista, como músico. E cada vez fica mais clara essa necessidade pra mim. Esse foi o disco mais longo que já fiz na vida, comecei no início de 2011, há dois anos. E esse processo todo foi importante para o disco. Foi o primeiro disco que eu fiz sem ter um nome antes. Todos os discos tinham um nome, comecei a partir do nome. Esse disco não tinha nome. Chegou um momento que a gente percebeu que tinha que lançar o disco e ele não tinha nome. Até que o nome veio e agora parece tudo natural. Eu tinha essa frase, do Thaíde e DJ Hum, escrita na minha casa “eu já caí, só que me levantei, eu faço meu sistema, eu dito a minha lei, nada pode me parar”. Agora é um nome concreto, mas foi difícil achá-lo.

Por que dessa vez foi tão diferente?

Sempre é diferente. É o que eu estava falando, eu sempre busco sair de um lugar confortável e fazer algo diferente, mas dois anos fazendo disco... Eu nunca fiz isso na vida. Eu entrava no estúdio, fazia o disco e ele estava pronto. E esse disco foi longo, bem longo. Teve a volta do Planet Hemp no meio do caminho, que também influenciou pra caramba. 

Como a volta do Planet Hemp influenciou?

O disco já estava meio pronto quando a gente começou a turnê, mas me deixou muito claro que... Foi demais voltar ao Planet Hemp, satisfatório pra caramba. Pra todos, tenho certeza. Foi legal voltar a falar com os caras depois de dez anos, porque a gente ficou dez anos sem se falar! Me mostrou um pouco também como eu tinha sido imbecil e ignorante de ficar dez anos sem falar com o BNegão. Pô, o cara é meu amigo, meu camarada... Dez anos sem falar com ele? Sabe quando você fala “putz, que idiota que eu sou”? Meio que me mostrou esse lado também. 

Algumas músicas do CD têm cara de show, execução ao vivo... Foi intencional?

Como eu fiz esse disco em um ano e pouco, quando eu fui gravar as músicas, eu tinha todas elas na cabeça. Diferentemente dos outros discos, que escrevi na hora, no estúdio e fui lá gravar. Nesse disco eu sabia todas elas, então eu não emendei nada. Nenhuma música tem emendas. Então eu comecei e terminei, foi tudo muito ao vivo. Acho que por isso que tem essa "vibe", porque elas realmente foram gravadas ao vivo, direto. 

Você já tem uma parceria de longa data com o produtor Mario Caldato Jr. Como funciona isso? 

Sempre que eu acabo um disco eu falo, “o próximo não vou fazer com o Mario, não”. Só que aí eu começo a fazer o disco e vejo que só o Mario vai me ajudar, só o Mario vai me salvar. Virou família, cara. Eu sou padrinho da filha dele, ele é padrinho da minha filha. E é muito confortável trabalhar com ele, porque a gente fala pouco no estúdio e ele entende muito o que eu quero. Quando a gente começa a mixar uma música, eu dou um briefing pra ele. Falo, “esta música aqui, cara, eu to no subúrbio do Rio de Janeiro em 1985”. Pronto. Ele fala, “tá, entendi, vamo embora”, e começa a mixar. A gente se entende muito bem. E ele não é só um produtor, ele é engenheiro de som, mete a mão na mesa. Somos só eu e ele no estúdio e ele preenche um espaço. A música dele tem coisa aqui do lado, à esquerda, à direita, em cima, embaixo, na frente. Esse é o tipo de música que eu sempre quis na vida. O Check Your Head, do Beastie Boys, que é o Sgt. Pepper's da minha geração, tem a sonoridade que eu sempre quis e foi ele que fez. Então é difícil me desgrudar disso. Ele mais me atura do que eu ele, com certeza. Eu sempre falo que o próximo vou fazer sem o Mario, mas aí não consigo.

É difícil te aturar?

Pra caralho. Nem eu me aguento.

Por quê?

Porque eu sou muito ativo. Eu mudo de opinião, faço não sei o que lá, brigo. Às vezes deve ser difícil ficar do meu lado.

Há também uma presença forte de rappers gringos no disco. Como isso aconteceu?

Todas as participações do disco têm uma coisa das pessoas que estavam à minha volta. Tem o Cone Crew, que todo mundo fala que é o novo Planet Hemp e eu acho que isso não tem nada a ver, mas os moleques estavam ali. E os gringos também. A Joya Bravo, eu estava em Nova York, passei dois meses lá, queria gravar uma música com uma voz feminina, tinha conhecido ela e acabei chamando. Ela nem estava em Nova York e foi até lá para gravar. O Aloe Blacc foi a mesma coisa, eu queria um refrão em inglês. Sei lá qual foi a onda daquilo, mas eu queria um refrão em inglês falando sobre como é difícil viver nessa zona de perigo que é a cidade grande, porque você não pode relaxar. Se relaxar, vem alguém e toma alguma coisa sua, não só física, como o celular ou a carteira, mas seu espaço também. E eu queria muito que fosse em inglês. Aí tava lá o Aloe Blacc... o Like, do Pac Div, que eu não conhecia, mas a gente foi atrás dele, porque eu tava ouvindo muito Pac Div e queria muito gravar uma música com ele. Aí foi aquela coisa: liguei pra um amigo, que conhecia um amigo, que conhecia um cara, que conhecia outro e o cara apareceu. Foi exatamente isso: pessoas que estavam em volta.

Foram dois anos produzindo esse álbum. Por que demorou tanto?

Foi muita coisa. Primeiro, eu não tinha pressa, não tinha o nome. Se eu tivesse o nome, acho que teria sido mais rápido. Eu tava a fim de fazer um disco “on the road” mesmo, na estrada. Gravei em Angola, Rio, São Paulo, Los Angeles, Nova York, Portugal... eu tava muito a fim de fazer um disco assim. Gravei muita coisa em quarto de hotel. E é um disco que tem muito sampler. Foi muito difícil isso no Brasil, liberar sampler e tal, não tem muito essa cultura. Todo mundo fica, “o que é isso? você tá usando a minha música? beleza, então me paga”. Aí eu fico, “não, calma, tô usando só um pedacinho, a música é minha”. Isso foi difícil pra caramba, porque eu não queria tirar nenhuma música do disco. E teve a turnê do Planet. O disco já estava pronto, mas eu não podia lançá-lo no meio da turnê do Planet. Aí tivemos que segurar por mais três meses. 

A concepção desse álbum teve algum estopim?

Teve. Me separei da minha mulher depois de 13 anos de casado. Mas eu voltei depois. Falei, “ah é? vou fazer um disco!”. Aí fiz uma porrada de música que não entrou no disco. Lógico, porque ninguém merece ouvir isso. Depois de tanto tempo casado, me separei e decidi fazer o que eu sabia fazer: um disco.

Alguma das músicas que você compôs quando estava sofrendo entrou no disco?

Não tava sofrendo, não. Pelo menos eu fingia que não. “Já sabia que ia terminar assim, se o tempo ficou ruim, é difícil de clarear” (trecho da música Eu Já Sabia, que está no álbum). Eu fiz uma que não entrou que era assim: “eu acho que essa mina não aguenta, eu acho que eu puxo tanto que a coleira arrebenta”. Não dava pra eu fazer isso com ela, botar uma música assim no disco!

O ex-vocalista do Planet Hemp passou a madrugada de quinta-feira (9) comemorando o lançamento do DVD da banda Cachorro Grande e chegou de ressaca para a entrevista
O ex-vocalista do Planet Hemp passou a madrugada de quinta-feira (9) comemorando o lançamento do DVD da banda Cachorro Grande e chegou de ressaca para a entrevista
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
E ela ouviu?

Ouviu e ficou puta. É, não dava pra colocar, porque isso é só o refrão. Imagina o resto. 

Voltando ao Planet Hemp, como você sentiu o público nos shows, dez anos depois do fim da banda?

Foi incrível, porque acho que 80%, 90% nunca tinham visto Planet Hemp. Quem tem 25 anos hoje, dez anos atrás, que foi quando a gente parou, tinha 15. Nem podia ir no show do Planet, porque era só para maior de 18. Então a maioria não tinha visto. Eu fiquei até um pouco impressionado com isso: “caraca, como as pessoas gostam de uma banda que acabou há dez anos!”. Mas acho que a mística ficou um pouco por eu estar tão ativo. Até hoje eu sou o Marcelo D2 do Planet Hemp. E hoje em dia a internet deixa essa coisa acesa. Sabe, tem músicas que na época não eram tão grandes no show e hoje em dia todo mundo canta. Então tem um sentimento diferente também. Na época do Planet, acho que as pessoas iam no show para serem livres, mandar a polícia se foder, fumar maconha e foda-se o governo. Acho que ninguém prestou muita atenção na música do Planet Hemp, todo mundo prestava mais atenção no discurso. Hoje eu vejo um carinho maior e uma atenção maior com a música, não só pelo discurso, por ser a banda da maconha. Agora se presta atenção no arranjo. Isso tudo eu achei interessante e legal pra caramba. 

Vocês chegaram a ser presos depois de um show em Brasília, em 1997. Na sua opinião, em algum momento vocês exageraram?

O tempo todo! A gente é exagerado. Mas a ideia da banda era essa. As pessoas acham que a gente falava de maconha pelo simples fato de falar de maconha, mas era mais para ver qual era o limite. A gente tinha acabado de sair de uma ditadura e queria ver até onde a liberdade ia. O primeiro disco, que se chamava Usuário, era uma afronta a tudo isso. O segundo disco, Os Cães Ladram mas a Caravana Não Para, era uma afronta também. Os caras vão prender a gente? Não vão. Até que prenderam. Mas não tiraram a nossa liberdade. A gente foi lá, falou, falou, falou. Esse era o papel do Planet Hemp. Quando eu e o Skank começamos o Planet Hemp, a gente falou, “vamos fazer uma banda pra mandar todo mundo se foder, cutucar a ferida”. E o Planet era isso. A maconha era só pra causar tumulto mesmo. Pra mim é tão velho esse discurso de legalização da maconha... pra mim já até legalizou.

Você se arrepende de alguma coisa?

Não. Posso me arrepender do que eu não fiz, não do que eu fiz. Não. A gente queria ir no Faustão com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra). Na época, a gente tava super ligado no MST, mas o Faustão não quis o MST lá e a gente não foi. A gente nunca foi na Globo, porque a gente queria ir lá pra fazer alguma coisa e não só pra botar a carinha bonita na TV. Mas não era nada contra a Globo, era porque não cabia no discurso também. Seria muita contradição falar tudo o que a gente falava e ficar cantando no Faustão no domingo. Contraditório demais.

Com o passar do tempo e a idade avançando, fica mais difícil fazer música engajada?

Não. Eu acho que a minha música ainda é engajada, só que eu não tenho mais 20 anos. É difícil eu botar uma bermuda e ficar quicando no palco, é outro momento da vida. Mas são engajamentos diferentes. Às vezes você vê o mundo de maneira diferente. Não precisa ser tanto “legalize já”, pode falar isso de outros jeitos.

Algum artista hoje ocupa o espaço que o Planet Hemp ocupou na década de 1990?

Não. Mas é outro momento também. Acho que, se o Planet Hemp surgisse agora, não teria tanto impacto como teve naquela época. Era uma época em que as pessoas não sabiam que tinham aquela liberdade. Porque a gente nem tinha, a gente foi lá e conquistou aquilo. Hoje é outro momento, não sei se precisa disso. É meio chato também de comparar isso com aquilo. São momentos, pessoas, tudo diferente.

O que você escuta de música brasileira hoje?

Gosto muito desse momento do rap atual, Criolo, Emicida, Cone Crew... Mas, na verdade, eu só ouço mortos, música velha. Não ouço quase nada contemporâneo, só rap. Ouço música dos anos 50, 60, gosto de jazz pra caramba, é um lugar onde me sinto confortável. A música contemporânea não me fascina tanto. Mas tudo bem, eu gosto de Black Keys, por exemplo. É uma banda de rock, que eu acho legal, gosto da sonoridade, mas não ouço o tempo todo. 

Fonte: Terra
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